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domingo, 6 de abril de 2014

Como anda o ensino de ciências no Brasil

Entrevista para a revista Educação:

1 – É fato que o ensino de Ciências no Brasil não trabalha o desenvolvimento do pensamento científico e se resume à explanação e observação de fenômenos e a realização de experiências? Em caso afirmativo, por que o ensino de Ciências no Brasil se configurou dessa forma?

Não há dados com amostragem nacional sobre isso. Temos dados sobre o que os alunos pensam do ensino de ciências, com amostragem de validade nacional e regional, mas carecemos de pesquisas in loco com a mesma validade amostral. O “achismo” impera nessa área, desde Rui Barbosa, que fala de como se ensina a ciência no Brasil no final do século XIX em conhecida manifestação, mas pouco se fez para saber, de fato, como se ensina ciência no Brasil naquela época e hoje. Há pouca pesquisa. Fizemos uma pesquisa sobre as questões de Biologia do ENEM com resultados muito importantes, muito bem recebidos até pela coordenação do PISA; do MEC, o que recebemos foi uma "bronca" de um funcionário do INEP no congresso europeu onde apresentamos o trabalho, que teve inscrição, passagem e estadia pagos pelo erário para nos criticar; no entanto nada foi feito para entender nossa pesquisa, cujas consequências são seríssimas (veja adiante).

2 – É fato que há poucos projetos de iniciação científica que possibilitem aos alunos utilizar metodologias de pesquisa, levantar hipóteses, fazer registros etc., tudo isso com rigor científico? Por que isso ocorre?

A “iniciação científica” é uma modalidade bem conhecida de trabalho na graduação e deveria proporcionar essas possibilidades. Eu não concordo que seja “fato” que ela não existe; eu mesmo fui bolsista de iniciação científica durante toda a minha graduação (há quase trinta anos!), com bolsa da FAPESP, o que foi inclusive determinante para minha formação científica. Tive mais de trinta bolsistas de iniciação científica, e estou selecionando mais candidatos neste exato momento. Para mim, a iniciação científica é tão ou mais importante que o doutorado.

3 - Faltam professores capacitados para trabalhar com metodologias científicas? As licenciaturas em Ciências formam que tipo de professor, de maneira geral?

As generalizações são temerárias. O Brasil é um país muito diverso, e há escolas públicas muito boas, como há outras muito ruins. As universidades públicas estão seguindo (infelizmente) o mesmo padrão. Até há pouco tempo, os cursos ruins de formação de professores eram principalmente privados; hoje há cursos gratuitos oferecidos pelo poder público, que são tão ruins ou inclusive piores (infelizmente) dos piores cursos privados, formando professores que estarão nas escolas públicas pelos próximos trinta anos. Não sei se é motivo de comemoração, mas esses cursos gratuitos sem qualidade têm alta evasão, ou seja, o número efetivo de professores formados é relativamente pequeno. A lamentar, apenas o desperdício de recursos públicos para a educação.

4 - Qual a importância de desenvolver o espírito investigativo e o pensamento científico nas escolas?

Um país que não estimule o pensamento científico nas escolas está condenado a ser espectador da inovação no mundo moderno, importanto novas tecnologias e produtos tecnológicos. Se o Brasil não acordar, teremos problemas crescentes com o balanço de pagamentos, que já dá sinais alarmantes. Não podemos pensar que isso seja função apenas das universidades; devemos começar na educação infantil!

5- O ensino de Ciências tal como ocorre hoje é realmente um dos motivos que explica o baixo número de profissionais na área?

Não entendi a pergunta. Se posso refraseá-la, direi que estive há pouco em São Francisco do Sul (SC) e os professores de Biologia de lá me disseram que está aberto um concurso para motorista no porto que oferece salário inicial de cerca o dobro do salário de professor. Isso explica a falta de professores da área científica. Com baixo desemprego, há opções e os professores competentes são heróis que batalham para permanecer no magistério, mesmo tendo opções mais vantajosas no mercado de trabalho.


6 – O que está sendo feito – pelo governo, universidades, outras instituições – para mudar esse quadro?

Há várias ações em curso, mas sua efetividade ainda aguarda avaliação adequada a fim de aferir sua eficácia, De qualquer forma, sem bons salários será difícil atrair e manter bons professores de Biologia, Química e Física na educação básica. As boas escolas particulares conseguem, mas pagam bons salários.

7 - A inclusão de questões de Ciências na Prova Brasil indica alguma mudança no entendimento do ensino de ciência?

A retirada do componente de ciências do SAEB foi uma decisão política, tomada no início do ano 2000, e equivocada no meu entendimento. Fui convidado pelo Congresso Nacional a apresentar uma defesa de retornar a aferir o aprendizado nessa área, ainda no ano de 2005, e logo em seguida foi anunciada sua reintrodução pelo MEC. No entanto, ela nunca se efetivou. Se ocorrer agora, apesar do atraso e sem entrar na contabilidade do IDEB, mesmo assim será um avanço.

8 – O senhor teria textos seus a respeito do assunto? Teria outros nomes para indicar para eu entrevistar?

Acaba de ser publicado um texto bombástico:


Ele foi avaliado por especialistas europeus e aprovado com alta recomendação (aprovado sem necessidade de modificações). Nesse artigo mostramos que o ENEM não avalia o que diz avaliar, e provamos, com todo rigor estatístico dos dados, que o aluno que lê todo enunciado das questões PERDE TEMPO, pois não só não ajuda como atrapalha a resolução das questões. Isso tem implicações seríssimas, pois invalida a aplicação da chamada TRI, a retificação da classificação dos alunos.