O que é o olho, para quê ele serve e como ele funciona?
Nelio Bizzo: Se considerarmos todos os animais conhecidos, falamos de mais de um milhão de espécies, veremos que cerca de 95% deles têm olhos. Há diferentes tipos de olhos, mas todos eles podem ser definidos como órgãos especializados dotados de estruturas sensíveis à luz. Nesta definição de olho, podemos dizer que ele foi “inventado” mais de quarenta vezes no passado evolutivo, em animais que pertencem a seis diferentes filos animais. Mas é bom que se lembre que um pigmento sensível à luz do olho humano, a rodopsina, existe desde algas e fungos. Os zoósporos de fungos, bem como algas verdes, podem perceber a direção da luz graças à presença de rodopsina, o que indica que os verdadeiros “inventores” dos olhos, ou pelo menos da sua infraestrutura, possivelmente foram organismos unicelulares.
Como o olho evoluiu nos diferentes grupos animais?
Nelio Bizzo: Como disse, não há um padrão único de olho.Assim, podemos falar da evolução “dos olhos”, que ocorreu paralelamente emdiversos grupos animais. Quando ocorre a chamada “explosão do Cambriano”, há cerca de 540 milhões de anos, já há estruturas que podem ser identificadas como olhos. Portanto, do ponto de vista do registro fóssil, a ocorrência de olhos é algo abrupta e ocorre paralelamente em diferentes filos. Em cubomedusas pode-se encontrar a estrutura mais simples de estruturas especializadas sensíveis à luz.O padrão mais complexo de olhos pode ser encontrado em certos moluscos, como polvos e lulas, e mamíferos. O padrão de ambos é incrivelmente parecido, mas evoluiu de forma independente, pelo menos nos últimos 500 milhões de anos. Nos mamíferos a estrutura do olho é bem adaptada para a visão noturna, se bem queno caso humano tenha sido perdida uma estrutura que reflete internamente a luz e que está presente até mesmo nos olhos de animais domésticos, como os gatos.Experimente tirar uma foto com flash de um gato com seu dono e perceba como o reflexo dos olhos de ambos é diferente!
O fato de humanos, algas e fungos compartilharem a proteína rodopsina é considerado uma evidência para a evolução das espécies?
Nelio Bizzo: Na verdade, quando falamos de rodopsina estamos nos referindo a uma superfamília de proteínas, ou seja, um grupo com diversas variações em sua composição. Ainda não há um consenso que todas as variantes sejam homólogas, ou seja, que sejam modificações de uma forma ancestral, e não
seria surpreendente se tivesse ocorrido desenvolvimento independente em alguns casos, dada a ampla ocorrência dessas proteínas. Mas, de qualquer forma, se admite que organismos muito diferentes compartilham rodopsinas
aparentadas, o que é sem dúvida uma prova da evolução biológica.
O senhor comentou sobre a semelhança estrutural entre os olhos de mamíferos e de certos moluscos, mas também sobre a evolução independente dessa estrutura nesses grupos. Existe alguma explicação para tamanha semelhança? (já que esses animais vivem em ambientes
bastante diferentes).
Nelio Bizzo: A explicação clássica é a da convergência evolutiva. Quando uma estrutura ou um órgão confere grande vantagem adaptativa, é de se esperar que diferentes grupos a tenham desenvolvido, mesmo que não sejam aparentados. A convergência evolutiva é explicada pela constância de condições ambientais, como luz, pressão, presença de oxigênio, etc.
O olho é uma estrutura bastante complexa. Sua complexidade estrutural é tamanha que muitos críticos à Seleção Natural usam o olho como exemplo do que chamam de “complexidade irredutível”. Segundo esse argumento, o olho é um sistema que não funcionaria sem qualquer um de seus inúmeros componentes, o que impede que ele tenha evoluído de formas mais primitivas pelo mecanismo daSeleção Natural. Esse argumento faz algum sentido do ponto de vista da lógica da evolução? Por quê?
Nelio Bizzo: Esse argumento foi apresentado à época de Darwin, por críticos imersos na teologia natural anglicana. Darwin, ele mesmo, escreveu que seria difícil imaginar as etapas sucessivas da evolução do olho, com uma estrutura que focaliza imagens e corrige a aberração cromática. Invariavelmente seus críticos evitaram citar a frase seguinte, no mesmo parágrafo do Origem das Espécies, na qual Darwin fala que se pequenas variações favorecerem a sobrevivência do animal, a seleção natural não terá dificuldade de ir gradativamente aperfeiçoando uma estrutura sensível à luz a cada geração.
Hoje em dia dispomos de uma quantidade enorme de evidências da evolução dos vários padrões dos olhos, inclusive do ponto de vista molecular. Um organismo com a superfície do corpo revestida com células sensíveis à luz pode se orientar em um ambiente iluminado pelo Sol, como ocorre com diversas medusas e hidras. Se essas células estiverem agrupadas, formando um órgão especializado, poderão responder a intensidades luminosas menores, dando maior eficiência à busca por luz. Não por acaso, o gene com a receita de pigmento cromático das medusas, que não possuem olhos propriamente ditos, pode ser encontrado nos animais com olhos! Formar imagens seria um passo adicional importante. A seleção natural favoreceu os organismos que conseguem iniciar suas refeições de algas ou pequenos animais mais cedo e se alimentar até mais tarde. E vai aquinhoar generosamente os animais que puderem perceber uma imagem de um objeto próximo, distinguindo um predador de uma presa. Com mais alimento, e sobrevivendo por mais tempo, os animais com olhos um pouco melhores dos demais terão mais descendentes a cada geração.
Dois cientistas suecos (Dan-Eric Nilsson e Susanne Pelger) fizeram um experimento engenhoso: supuseram que, a partir de algo como um animal hipotético com um par de “proto olhos”, órgãos com uma retina plana, tivesse, a cada geração, descendentes com apenas 1% de variação nessa estrutura. A conclusão da simulação do programa de computador foi a de que em menos de 400.000 gerações pode-seformar um olho globoide, com íris e lente. Ou seja, a evolução de um olho pode ocorrer até mesmo dentro de uma pequena fração do Cambriano. No entanto, é provável que tenha ocorrido antes.
Àquela época, os animais com os melhores olhos eram os trilobitas, com olhos compostos, com pequenas lentes focalizadoras em cada unidade fotorreceptora. São conhecidos onze tipos de lentes de unidades fotorreceptoras, e apenas três estão presentes em vertebrados.
Hoje em dia dispomos de uma quantidade enorme de evidências da evolução dos vários padrões dos olhos, inclusive do ponto de vista molecular. Um organismo com a superfície do corpo revestida com células sensíveis à luz pode se orientar em um ambiente iluminado pelo Sol, como ocorre com diversas medusas e hidras. Se essas células estiverem agrupadas, formando um órgão especializado, poderão responder a intensidades luminosas menores, dando maior eficiência à busca por luz. Não por acaso, o gene com a receita de pigmento cromático das medusas, que não possuem olhos propriamente ditos, pode ser encontrado nos animais com olhos! Formar imagens seria um passo adicional importante. A seleção natural favoreceu os organismos que conseguem iniciar suas refeições de algas ou pequenos animais mais cedo e se alimentar até mais tarde. E vai aquinhoar generosamente os animais que puderem perceber uma imagem de um objeto próximo, distinguindo um predador de uma presa. Com mais alimento, e sobrevivendo por mais tempo, os animais com olhos um pouco melhores dos demais terão mais descendentes a cada geração.
Dois cientistas suecos (Dan-Eric Nilsson e Susanne Pelger) fizeram um experimento engenhoso: supuseram que, a partir de algo como um animal hipotético com um par de “proto olhos”, órgãos com uma retina plana, tivesse, a cada geração, descendentes com apenas 1% de variação nessa estrutura. A conclusão da simulação do programa de computador foi a de que em menos de 400.000 gerações pode-seformar um olho globoide, com íris e lente. Ou seja, a evolução de um olho pode ocorrer até mesmo dentro de uma pequena fração do Cambriano. No entanto, é provável que tenha ocorrido antes.
Àquela época, os animais com os melhores olhos eram os trilobitas, com olhos compostos, com pequenas lentes focalizadoras em cada unidade fotorreceptora. São conhecidos onze tipos de lentes de unidades fotorreceptoras, e apenas três estão presentes em vertebrados.
Os animais adaptados para a vida emcavernas, denominados “troglóbios”, não necessitam da visão já que a luz nãochega aos ambientes cavernícolas. Como podem ser explicados a regressão do olho nesses animais emtermos evolutivos?
Nelio Bizzo: Não há dificuldade em explicar as consequências da ausência de pressão seletiva. Sem luz, as estruturas fotorreceptoras ficam fora da mira da seleção natural; os animais com olhos ótimos, olhos medíocres e os sem olhos passam a ter as mesmas chances de deixar descendentes.
O resultado é que em poucas gerações haverá perda da funcionalidade de estruturas fotorreceptoras. É interessante que animais sem olhos, como o nemátodo C. elegans, possuem um mesmo gene relacionado com a formação do olho, mas com uma função diferente, provavelmente ligada à orientação do desenvolvimento embrionário sinalizando a região anterior do corpo.
O resultado é que em poucas gerações haverá perda da funcionalidade de estruturas fotorreceptoras. É interessante que animais sem olhos, como o nemátodo C. elegans, possuem um mesmo gene relacionado com a formação do olho, mas com uma função diferente, provavelmente ligada à orientação do desenvolvimento embrionário sinalizando a região anterior do corpo.
Se animais com olhos bons e animais sem olhos, possuem a mesma chance de se reproduzir, como explicar a perda de funcionalidade das estruturas fotorreceptoras? Isso pode estar relacionado com o gasto de energia para se formar e se manter um olho? Existem explicações evolutivas e moleculares para esse fato?
Nelio Bizzo: Uma espécie de peixe mexicano (Astyanax mexicanus) tem se tornado o melhor modelo para estudo das adaptações às condições de cavernas escuras (o chamado troglomorfismo). Isso porque ele tem perda total ou parcial dos olhos e se reproduz em aquários e forma híbridos férteis com espécies muito próximas, que vivem na luz e têm olhos.
São conhecidas populações de pelo menos trinta cavernas diferentes, geograficamente isoladas e biologicamente
São conhecidas populações de pelo menos trinta cavernas diferentes, geograficamente isoladas e biologicamente
muito próximas. A perda dos olhos ocorreu de maneira independente nas diferentes populações, e o cruzamento entre dois indivíduos cegos, de duas cavernas diferentes tem como resultado indivíduos com olhos. São basicamente duas as possibilidades de explicação. Uma delas explica pelo
acaso (tecnicamente denominado "oscilação genética", ou "genetic drift" em inglês), pelo fato de haver relaxamento de seleção natural. Embora essa seja minha hipótese preferida, trabalhos recentes com essa espécie, que envolveram estudo dos detalhes moleculares do desenvolvimento embrionário
dos olhos, têm favorecido a outra hipótese, que aponta para a seleção natural de estruturas que favorecem a maior captura de alimento, mas que têm efeitos deletérios sobre os olhos, uma influência que os geneticistas chamam "pleiotropia".
Os neurônios do nervo óptico estão presentes nos embriões das espécies cegas, mas eles migram para o bulbo olfativo ao longo do desenvolvimento embrionário, o que parece favorecer a capacidade de localizar alimento no escuro. Curiosamente, o mesmo gene envolvido no desenvolvimento do olfato favorece o aumento do tamanho da mandíbula.
Os neurônios do nervo óptico estão presentes nos embriões das espécies cegas, mas eles migram para o bulbo olfativo ao longo do desenvolvimento embrionário, o que parece favorecer a capacidade de localizar alimento no escuro. Curiosamente, o mesmo gene envolvido no desenvolvimento do olfato favorece o aumento do tamanho da mandíbula.
Indivíduos com maior olfato (e mandíbula), e consequente menor visão, são claramente favorecidos pois podem encontrar e capturar mais alimento em seu habitat sem luz.
Assim a intensificação da seleção natural, e não seu
Assim a intensificação da seleção natural, e não seu
relaxamento, estaria na base da explicação do desaparecimento dos olhos nessa espécie.
A visão é um fenômeno que depende não só de uma estrutura que capte a luz (olho), mas também de uma estrutura capaz de processar umaimagem a partir dessa luz captada (cérebro). Pode-se afirmar que a complexidade do olho e a complexidade do cérebro estão relacionados?
Nelio Bizzo: Nas últimas edições do “Origem das Espécies” Darwin conjecturou sobre isso, mostrando que se um grupo de células sensíveis à luz não estivesse conectado a uma estrutura nervosa, o organismo poderia apenas distinguir o claro do escuro, mas se estivesse, informações mais sofisticadas poderiam ser geradas.
No entanto, apenas uma parte de nosso cérebro está relacionada ao processamento de imagens; temos regiões sensíveis apenas à alternância entre dia e noite, com base em nossa sensibilidade para o claro e oescuro, e a produção de melatonina está justamente ligada à essa percepção mais difusa. Tome 6 mg de melatonina e logo você vai sentir sono, como se estivesse há horas no escuro.
Assim, a maquinaria nervosa evoluiu paralelamente à instrumentação ótica em todos os grupos animais, mas não podemos esquecer que um organismo precisa de um sistema nervoso para responder a diferentes tipos de estímulos, não apenas os luminosos.
No entanto, apenas uma parte de nosso cérebro está relacionada ao processamento de imagens; temos regiões sensíveis apenas à alternância entre dia e noite, com base em nossa sensibilidade para o claro e oescuro, e a produção de melatonina está justamente ligada à essa percepção mais difusa. Tome 6 mg de melatonina e logo você vai sentir sono, como se estivesse há horas no escuro.
Assim, a maquinaria nervosa evoluiu paralelamente à instrumentação ótica em todos os grupos animais, mas não podemos esquecer que um organismo precisa de um sistema nervoso para responder a diferentes tipos de estímulos, não apenas os luminosos.
Leituras Sugeridas
Rétaux, S, Karen Pottin and Alessandro Alunni. Shh and forebrain evolution in
the blind cavefish Astyanax mexicanus. Biology of the Cell 100: 139-147 (2008).
[disponível online em: http://www.biolcell.org/boc/100/0139/boc1000139.htm]
Jeffery WR. Regressive evolution in Astyantax cavefish. Annu Rev
Genet. 43:25–47 (2009)