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segunda-feira, 31 de maio de 2010

De volta ao nosso tema...

Charles Darwin e Galápagos
(segue a curta entrevista dada ao Portal IG)

Portal IG: Acredita que, se Darwin não tivesse realizado a viagem, ele teria escrito "A Origem das Espécies"?

Nelio Bizzo: Creio que não. Ele provavelmente teria escrito outros livros, mas uma obra com a pretensão de ser uma explicação para uma ampla gama de classes de fatos proveio do grande acervo que ele colecionou na viagem, e do qual ele pode dispor ao longo de muitos anos.

Portal IG: Quais o senhor acredita que foram os momentos mais marcantes da viagem?

Nelio Bizzo: Foram diversos, mas eu creio que os Andes proporcionaram a Darwin uma experiência ímpar de pesquisar Geologia e fazer muitas descobertas, inclusive sobre o tempo geológico. Esta foi uma peça-chave em seu quebra-cabeças.

Portal IG: Galápagos recebeu o prestígio por ter sido lá que Darwin percebeu pequena
diferença entre cada espécie de acordo com cada ilha. Mas as observações
tomadas em toda a viagem também não foram relevantes?

Nelio Bizzo: Sou muito crítico das chamadas abordagens "galapagocêntricas". Não se conhece nem mesmo uma única carta de Darwin escrita de Galápagos; não fossem as anotações de FitzRoy, Darwin nem mesmo teria separado os pássaros por ilha, uma vez que os misturara em um mesmo lugar. Ele teve informações erradas sobre a proveniência dos animais, uma vez que corria a informação de que as tartarugas e os iguanas tinham sido trazidos para as ilhas junto com as cabras e porcos (se sabia da existência de tartarugas gigantes em outras ilhas distantes). Darwin devia ter se interessado por mais elementos da fauna e da fauna em 1835 se soubesse que as ilhas estavam menos alteradas do que se pensava...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A Luta dos professores com curso normal

Aproveito para postar um e-mail que recebi há algum tempo, de uma professora que tinha se formado no magistério, em nível médio, mas que não conseguia ver seu diploma respeitado. [a tempo: o curso normal de nível médio, enquanto existiu, fou o único curso de nível médio que conferia diploma para o exercício profissional].

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Ola professor Bizzo gostaria de dizer antes de tudo que sou sua fã numero 1
devido a varios posicionamentos em favor da defesa dos direitos dos
professores de nivel medio.

Bem a minha visita ao seu email é nada mais que pedir algumas orientações
sobre os municipios que insistem em desprezar os titulos profissionais dos
profesores com habilitação em nivel medio.

Passei em um concurso para professor na prefeitura de salvador na Bahia e
fui excluida pro não ter curso superior em Pedagogia, e leciono há anos em
escola particular, curso Letras em uma faculdade particular e ainda não me
formei por questão financeira, e imagine só sem poder trabalhar para pagar a
minha faculdade.

Entrei com um mandado de segurança e fui contemplada mas a prefeitura
entrou com recurso e o juiz revogou a liminar antes concedida e eu
recorri e estou aguardando mas eu temo pela decisão e fico triste por ter
procurado vários órgãos que pensava ser competentes que até agora não me
ajudaram em nada.

Que órgãos devo procurar, que ajuda devo recoorrer, por favor me ajude. Sei que tenho meus direitos garantidos pela Contituição, o meu diploma de
nível médio em Magisterio é válido até o fim da minha vida, e não estou sendo
respeitada.

Muito obrigada Bárbara

Resposta:

Cara Bárbara,

Obrigado por seu e-mail. De fato não posso concordar com o discurso que quer
promover a educação desqualificando professores, que freqüentaram cursos e
atenderam a todas as exigências legais de seu tempo, em boa fé. Um e-mail como o
seu só pode me convencer que valeu a pena trabalhar algum tempo no CNE
procurando colaborar com a educação básica.

O acesso a cargos públicos não pode ser cerceado, senão afrontando a
Constituição. Todas as pessoas legalmente qualificadas para exercer um cargo
público podem concorrer a ele, se estiverem em dia com suas obrigações civis e
atenderem o quadro legal de referência.

Por favor, alerte seu advogado para a sentença, em caráter terminal, que o
Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu contra os recursos da Secretaria de
Estado da Educação de São Paulo, em favor dos mandados de segurança dos
professores com diploma de nível médio na modalidade normal, que ingressaram por
concurso, sob liminar (o edital os proibia), e estavam ameaçados ao tomar posse.


Depois de dois anos de tramitação, a sentença final é totalmente favorável aos
professores, e a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo nada pode fazer
além de dar posse e integrar à carreira os professores aprovados no concurso. A
sentença final do Tribunal de Justiça diz que a exigência, no edital do concurso
de 2005, de nível superior para a educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental é uma "exclusão discricionária" que viola "direito líquido e certo"
do professor exercer sua profissão.

Para facilitar, te adianto as referências que ajudarão seu advogado a encontrar
o acórdão:

Estado de São Paulo
9a. VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processo n. 952/05

Tribunal de Justiça de SP
Apelação com Revisão n 538 167 5/8-00
Voto N. 4122/07

O sindicato dos professores de Salvador deve conhecer esta informação, mas
talvez vc. pudesse encaminhar-lhe este e-mail.

Desejo a você muito boa sorte e fico contente em ver que você persevera na
profissão, inclusive buscando formação de nível superior. É de professores assim
que nossas crianças precisam. Parabéns!

Abraço fraterno,

Nelio Bizzo

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Com licença, o educador Nelio Bizzo

Tinha me prometido tratar só de evolução biológica no meu blog. Tenho me segurado muito mas, pedindo desculpas, tenho que postar uma matéria me defendendo.

Acabo de ser citado em um blog (24/05/2010), que pretende me insultar chamando-me de “educador”. O “insulto” advém do fato de eu ter sido relator de um processo que perguntava se os professores sem nível superior iriam perder o direito de lecionar na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental a partir de 2007. O parecer foi submetido ao plenário do Conselho Nacional de Educação, que o aprovou, e foi em seguida homologado pelo Ministro da Educação (em 2003). A homologação mereceu um editorial negativo de um jornal conservador de São Paulo, o que muito me orgulha, pois me citava nominalmente, sem me permitir ter direito de resposta (“o citado tem o espaço das cartas dos leitores para responder”, me disse o jornal).

O fato é que um conjunto de interesses espúrios foi formado, com o deliberado intento de ter acesso às verbas da educação, oferecendo formação de 5ª. categoria a professores em efetivo exercício da profissão, diante da escandalosa ameaça de que eles perderiam o direto de trabalhar a partir de 2007. Minha mãe foi ofendida, em sessão pública, no plenário do CNE, da pior forma possível, por uma conselheira imersa em interesses comerciais contrariados, que jamais se desculpou pelo insulto. Minha mãe o levou para o túmulo.

O parecer não só foi homologado pelo Ministro da Educação (da era Lula, pois sob FHC jamais o seria), como serviu de base para inúmeros julgamentos no âmbito do Judiciário. Embasou até mesmo o ganho de causa, decorrente de uma liminar impetrada por um órgão classista (de professores de SP), contra a decisão da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo de não permitir a participação de professores legalmente habilitados em concursos públicos. Os professores realizaram o concurso sob amparo de liminar, e tiveram o mérito julgado favoravelmente pelo plenário do Tribunal de Justiça de SP. Sua posse foi garantida pelo TJ, contrariamente a o que tinha dito o secretário de educação de SP.

Portanto, o tal parecer não pode ser confundido com uma “canetada” imperial ou algo do tipo. Ao contrário, foi uma análise desapaixonada dos direitos dos professores, frequentemente usurpados, e que foi apresentado de peito aberto diante dos mais qualificados fóruns da justiça brasileira. Se ele prevaleceu, isso indica que seus argumentos tinham solidez e não se baseavam em preconceitos momentosos, como o de satanizar a classe dos professores, culpando-os pela falta de qualidade da educação.

A redação do artigo 62 da LDB mudou recentemente - pouca gente se deu conta disso - e novamente aparecerão dúvidas sobre quais direitos foram preservados. O parecer instituiu um marco teórico para discutir os direitos dos professores diante da mudança das leis (direito intertemporal) e o fato de ele ainda despertar reações iradas, sete anos depois de editado, talvez seja indicação nesse sentido.

Espero que o Parecer tenha deixado claro que não existe retroação das leis capaz de vulnerar o direito profissional dos professores. Novas exigências podem ser colocadas a qualquer momento, mas elas não retroagem no tempo e não podem anular direitos dos professores.

Em 2005 foi homologado outro parecer de minha autoria que fazia justamente essa extensão, aplicando esse entedimento para outros aspectos da vida funcinal dos professores. Após sua aprovação em plenário no CNE, ele levou dois anos para ser homologado pelo ministro da educação, o que indica a quantidade de interesses constrariados que teve de enfrentar. Ele está disponível em:

http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb04_03.pdf

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Sobre a Natureza da Ciência

Por via das dúvidas, resolvi postar a entrevista dada ao repórter da Folha de São Paulo, Ricardo Bonalume Neto no mês passado. Como o tema é mais delicado do que o da postagem anterior, achei por bem publicar a íntegra das respostas e perguntas.

1. Por que a origem da ciência moderna costuma estar vinculada à Revolução Científica do século 17? Por que o que veio antes, ou o que se fazia fora da Europa, não merece ser chamado de “ciência”?

- Na verdade, o marco fundamental é Nicolau Copérnico, que nasceu em 1473 e fez uma contribuição pouquíssimo conhecida em sua época. O que ele fez, na verdade, foi se livrar de certas amarras que vinham desde o Egito e a Grécia, e se dispôs a explicar o mundo sem compromissos com a religião. Os astros deixaram de ser vistos como divindades caprichosas, a Bíblia deixou de ser vista como o guia único do pensamento, enfim, ele ousou afirmar que a Terra se move em torno do Sol, mesmo se isso contrariava as escrituras, que afirmam que o profeta Josué mandou parar o Sol, e não a Terra. Galileu, quase 100 anos depois, conheceu e compreendeu a obra de Copérnico, e passou a produzir novos conhecimentos com os mesmos princípios e o resultado foi uma verdadeira explosão de conhecimento. Não só novos fatos, mas novas formas de produzir conhecimento são geradas continuamente. O desenvolvimento dos meios de produção passou a depender fundamentalmente dessa nova forma de produzir conhecimento, que se costuma chamar ciência moderna. No mundo antigo se produzia conhecimento, que pode ser chamado ciência, mas estamos falando de outras formas de produzir conhecimento. Paulo Abrantes [filósofo da ciência da UnB], cuja obra é muito importante, mostra que a distinção não era total, mas em essência, estamos falando de algo diferente.

2. Fazer ciência é aplicar o método científico _juntar evidências observáveis, realizar experimentos reprodutíveis e mensuráveis_, ou ciência, uma atividade humana como outra qualquer, é “aquilo que os cientistas fazem”?

“Aquilo que os cientistas fazem” é uma forma pouco feliz de definir ciência. Tautologias à parte, ela é uma expressão de certo preconceito contra a ciência, como se ela fosse uma simples manifestação cultural ou tecnológica, tal qual uma prática religiosa ou técnica, como uma seita fechada que se autodefine arbitrariamente, ou, como você mesmo disse “uma atividade humana como outra qualquer”. Há um erro formal aqui. Galileu não conheceu Copérnico nem Newton – viveram em épocas diferentes - mas os três trabalharam juntos, no sentido que compartilharam princípios e métodos. Quando Newton dizia ter enxergado longe por ter subido no ombro de gigantes, ele não estava apenas espicaçando Leibnitz (que tinha baixa estatura), mas havia alguma sinceridade ali. Ele ajudou a aperfeiçoar uma forma de criar conhecimento que tinha sido inventada antes dele. Essa é a ciência moderna, uma atividade humana, sem dúvida (no que há de bom e mau nisso), mas que está longe de ser como outra qualquer. Observe qualquer religião e compare o quanto ela mudou nos últimos dez anos. Compare essa mudança (se achar alguma) com as mudanças de qualquer área da ciência. A diferença certamente será brutal, e isso mostra que a ciência está longe de ser uma atividade como outra qualquer.

3.Cientistas costumam ser criticados por manipularem a natureza, ou criarem mais problemas do que soluções _como é o caso na opinião de muitos, por exemplo, da energia nuclear ou das culturas transgênicas. Há validade nesse tipo de crítica, ou trata-se de obscurantismo?

A crítica é válida, mas, para ser justa, não pode se restringir aos cientistas. Os juízes tomam decisões que nos afetam e que afetam a natureza; eles permitem queimadas, garantem a propriedade privada de matas e corpos d’água, colocam na cadeia quem questiona a propriedade privada ou a atividade econômica não sustentável. Os políticos fazem leis que amparam essa forma de organização social e econômica, o aparelho de estado possui milhares de ocupações que chancelam as mais variadas agressões à natureza, os religiosos abençoam exércitos, máquinas de guerra e bombas, produzidos por indústrias que geram empregos, os quais, ao fim e ao cabo, todos querem. É verdade que os cientistas então quer no aparelho de estado, quer junto aos meios de produção, mas não podem ser apontados como bodes expiratórios, capazes de carregar para longe nossos problemas, assim como também não têm o poder de provocar todo o mal do mundo. A dialética da ciência a leva a produzir ao mesmo tempo venenos e antídotos, mas a sociedade é que decide o quanto de cada um deles deve ser usado. O uso da bomba atômica, malgrado a tragédia que a envolveu, contou com aprovação popular, pelo menos nos Estados Unidos, não nos esqueçamos disso. O mesmo pode ser dito das fogueiras da Inquisição e de tantos outros momentos da história dos quais não nos orgulhamos e que não queremos ver repetidos – muitos dos quais nada tiveram a ver com a ciência ou com os cientistas.

4. Qual, na sua opinião, o principal problema do ensino da ciência no país, tanto no ensino fundamental, como na universidade?

Creio que o principal problema seja o de não reconhecer a especificidade do objeto da disciplina, como se fosse uma apenas uma forma chata de literatura. Ladainhas de termos técnicos são por vezes apresentados aos estudantes, que nenhum sentido conseguem ver naquilo, além de uma literatura pobre, uma poética tosca. Estudar ciência significa muito menos memorizar fatos e termos técnicos e muito mais entender como a humanidade se livrou das amarras da escuridão do intelecto. Parafraseando um antigo adágio latino, os cientistas do passado não nos legaram ideias hoje ultrapassadas, mas sim o pensar criativo de seu tempo.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Revista da Tv Escola do MEC: algumas correções

Uma entrevista é sempre algo complicado, pois nunca se sabe o que vão colocar em sua boca. Por isso, de longa data, aprendi a dar entrevistas por escrito. Quer perguntar? Mande as perguntas por e-mail e terei prazer em responder...

Este foi o caso com o pessoal do MEC que me contactou em março de 2009 (reparem a data, mais de um ano atrás - no ano do bicentenário de Darwin).

O fato é que nesse meio-tempo (por assim dizer) as perguntas e as respostas mudaram bastante... Não acredito em evolução neste caso, e não posso concordar que se mudem as perguntas e as respostas, sem que o coitado do entrevistado possa opinar.

O fato é que fui alertado para o conteúdo da entrevista que saiu publicada na Revista do TV-Escola do MEC, de Março-Abril de 2010, às páginas 7 a 10. A entrevista me apresenta de maneira muito elogiosa - não quero ser ingrato com o pessoal da revista, a quem devo muitos agradecimentos - mas ela fez edição de perguntas e respostas sem me dizer nada. Apresenta as respostas como se tivessem sido dadas em uma "conversa descontraída", o que está longe de permitir que o leitor perceba que tudo se deu por e-mail. Não gostei desse detalhe. Eles poderiam ter me retornado a entrevista depois da edicão.

O prezado leitor perceberá que não estou exagerando, pois a entrevista foi simplesmente repaginada daquela anterior dada a uma revista criptocriacionista. Sim, havia tanta pressa (em março de 2009!) que ofereci mandar a entrevista que acabara de responder (e que já postei aqui há algum tempo!), o que foi prontamente aceito.

O PDF da revista do MEC pode ser baixado em:
http://tvescola.mec.gov.br/images/stories/revista/tecnologias_na_educacao/tvescola_180210_final.pdf

Lá está a versão editada da entrevista re-reproduzida logo a seguir. O que pode ser visto é que:

a- Ninguém disse que Darwin se formou em Medicina. Seu diploma era de Bacharelado em Artes, obtido em Cambridge. O curso de medicina, iniciado em Edimburgo, foi abandonado no início.

b- O Estreito de Magalhães não se chamava Canal Beagle. Alias, Magalhães passou pela região alguns séculos antes do Beagle. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A avaliação de geografia do MEC costuma reprovar livros com erros como esse... O que os ingleses buscavam (havia algum tempo) era uma passagem ALTERNATIVA ao estreito de Magalhães. [A primeira vez que escrevi isso foi em 1987, em O que é Darwinismo]

c- O trecho "Além de Samuel Wilberforce (o bispo anglicano de Oxford), Lord Kelvin foi outro opositor ferrenho." virou: "Além de Samuel Wilberforce, Lord Kelvin - outro bispo anglicano de Oxford - foi opositor ferrenho do pensamento darwiniano". Aqui a edição espichou a conversa e converteu Kelvin em bispo!

Enfim, ficou difícil reconhecer minhas palavras em alguns trechos. Quero ainda dizer que a ideia de que eu fui um dos "poucos" a ser credenciado para trabalhar no Manuscripts Room da Universidade de Cambridge é um exagero que devemos à edição da entrevista. Centenas ou milhares de pessoas já obtiveram essa credencial, talvez poucas no Brasil, mas no mundo certamente não foram poucas. De qualquer forma, `a época em que me credenciei, enfrentei um processo longo e custoso, para o qual não tive financiamento oficial, tendo de contar com as economias minhas, de minha família e de meus pais. O sacrifício, financeiro inclusive, foi muito maior do que o de outros pesquisadores, em especial da Europa e Estados Unidos. Por isso, não deixo de registrar meu contato com as fontes primárias de informação do darwinismo - é uma forma de reconhecimento e agradecimento, em especial a meus familiares.

De qualquer forma, quero ser criticado pelos meus erros, e não pelos de terceiros. Aí vai a íntegra da entrevista.


1) Como surgiu seu interesse por Darwin? O que o levou a pesquisar os
manuscritos originais do cientista e o que mais o impressionou ao estudá-los?

Meu interesse por Darwin e pela evolução vem de muito pequeno, com as histórias que meu pai me contava sobre Galileu. Meu pai estudou física na Universidade de Pádua e dizia que as carteiras tinham a marca de Galileu! Era uma brincadeira que eu levei alguns anos para entender, mas ficou o fascínio para procurar entender o que os cientistas do passado pensaram. Ele dizia que os cientistas do passado não nos legaram idéias velhas, mas o pensar criativo. Minha paixão pela Biologia me levou ao mestrado em Biologia Evolutiva. Dali criei um projeto de pesquisa que pretendia estabelecer paralelos entre o que se passa na mente dos estudantes quando começam a estudar evolução e a maneira em que o Origem das Espécies foi escrito. Estava interessado não na versão impressa, mas nos rascunhos, rabiscos, em conhecer a ordem de escrituração do livro. Para isso, até o tipo de papel era importante, para saber se a página estava na sequência ou se era uma página nova, de pensamento refeito. Foi muito emocionante, mas me senti invadindo a privacidade não só de Darwin, mas de sua família. Percebi o peso ético de uma pesquisa histórica.


2) Há poucos livros em português acessíveis ao público leigo tratando de Darwin, que não sejam didáticos (usados no ensino médio). Isso o motivou a escrever “Darwin- No Telhado das Américas” ?

Sim, exatamente. Eu queria interessar os jovens por um problema emocionante, e ao mesmo tempo contar histórias de amor, falar de astronomia, de economia política, de literatura, da história da América do Sul - que vergonhosamente não está em nossos currículos. E isso, abordando o principal: a idéia de tempo geológico, percorrendo o mesmo trajeto mental que Darwin percorreu. É uma faceta pouco conhecida, mas absolutamente necessária para o entendimento atual da teoria.O livro sai agora em segunda edição (2009), com dois capítulos novos. Um deles explica a teoria evolutiva em detalhes, o outro trata da dimensão pessoal de Darwin e de sua primeira namorada, uma figura esquecida na história de Darwin!


3) Qual a importância da viagem do Beagle para a estruturação das idéias evolutivas de Darwin?

A viagem do Beagle foi um acontecimento muito importante para a geopolítica da época. Bastava dizer que para ir de Nova York a São Francisco (ainda não havia trem!) era necessário atravessar o Estreito de Magalhães ou ... o Canal Beagle! Sim, o nome do canal se deve ao navio, que, na viagem anterior, percorreu a região e achou uma passagem alternativa, evitando o Cabo Horn, um caminho tempestuoso e muito perigoso. A longitude precisa do Rio de Janeiro não era conhecida em 1832 e ela definia, por triangulação, todo o contorno cartográfico da América do Sul. Mas, para Darwin, em especial, a viagem do Beagle foi o acontecimento mais importante de sua vida, pois lhe permitiu conhecer uma região que ainda não tinha sido investigada do ponto de vista geológico. Além disso, Darwin coletou muitos espécimes, que se revelaram de grande importância para o conhecimento da época. Quando Darwin voltou, ele já era uma pessoa conhecida nos meios científicos ingleses.


4) O principais opositores de Darwin parecem ter sido religiosos e a Igreja. Isso é real?

Se você se refere à Igreja Anglicana, está correto, mesmo porque fora da Inglaterra Darwin ainda não era conhecido. Por outro lado, a Igreja Católica aceitava as definições de tempo geológico que vinham sendo desenvolvidas desde o século XVIII, chancelando a publicação de livros que foram precursores importantes da geologia que permitiu a obra de Darwin. A Inquisição tinha dado seu "Imprimatur" para livros, como de Antonio Vallisneri, professor da Universidade de Pádua e seguidor de Galileu, que diziam que os restos de mares encontrados em grande altitudes nos Alpes nada tinham a ver com o dilúvio bíblico, mas sim com "grandes revoluções" da Terra em tempo remoto. E não podemos perder de vista que a Igreja Anglicana controlava as universidades inglesas. Não é à toa que os grandes cientistas britânicos da época, como Charles Lyell, eram escoceses - e não ingleses. Além de Samuel Wilberforce (o bispo anglicano de Oxford), Lord Kelvin foi outro opositor ferrenho. Mas ele tinha seus compromissos com a elite acadêmica da época, toda ligada à Igreja Anglicana. Basta dizer que Kelvin ia ao culto todos os dias e Darwin nunca foi professor universitário.


5) Lendo sobre Darwin, tem-se a impressão que sua vida foi cheia de incertezas e certo temor de chocar o mundo abalando antigas convicções. Darwin, o homem, era assim mesmo?

As incertezas começaram desde o embarque no Beagle. Uma moça lindíssima (e milionária) tentou impedir que Darwin viajasse no Beagle - chegou a ir até o cais do porto! - mas não conseguiu. Ela se casaria com Charles, se ele decidisse pedir sua mão em casamento. A própria viagem era cercada de incertezas, pois era uma aventura de fato perigosa, basta dizer que vários marujos morreram na viagem, inclusive no Brasil, possivelmente de malária, quando nada se sabia sobre sua real forma de transmissão pelos mosquitos. A idéia de que Darwin relutou em publicar não leva em consideração o fato de que a teoria tinha diversas lacunas e Darwin estava ciente disso. Apenas em 1856 ele conseguiu preencher uma das lacunas mais importantes, criando o "princípio da divergência". Este foi, na verdade, o verdadeiro rompimento com a teologia natural de William Paley, pois assumia que a adaptação biológica não é perfeita e, portanto, não se pode ver marcas de nenhuma mente divina ao olhar para a natureza. Essa idéia é revolucionária até hoje e até mesmo bioquímicos reputados não a admitem.



6) As teorias de Darwin tiveram enorme impacto na sociedade e no modo de pensar do ser humano, modificando conceitos na esfera ética, moral e até religião. Além da
teoria científica, quais os principais impactos trazidos pelas idéias de Charles Darwin?

Na própria teologia, Darwin acabou por explicar um dos problemas que afligiam Alfred Wallace desde a juventude, a teodisséia. Wallace se perguntava porque havia tanta fome, tanto sofrimento, tanta guerra, se havia um Deus benevolente e onipotente que tudo podia. Ele então queria que sofrêssemos, que as crianças adoecessem, era um Deus que criava os males do mundo? Darwin trouxe a perspectiva de um mundo inacabado, que tem um moto próprio e que não exclui a possibilidade de um Deus. Evidentemente não é uma entidade que fica cuidando dos ovos nos ninhos das aves e que manda os chupins devassarem os ninhos dos tico-ticos em determinados momentos exatos. O mundo de Darwin é um mundo-máquina, na tradição newtoniana, que se move por leis próprias, e que pouco conhecemos. O que há na sua origem, dizia a base do agnosticismo - uma invenção de outro amigo de Darwin, Thomas Huxley - nós não sabemos. Mas o Darwin idoso avançou a linha da prudência e chegou a condenar a vacinação contra a varíola, dizendo que o ser humano não pratica consigo mesmo aquilo que faz com seus animais e plantas. Ele permite que apenas os animais de boa estirpe se reproduzam nas fazendas, mas nos hospitais e asilos envida todos os esforços para prolongar a vida de criaturas débeis, que a Natureza teria eliminado. Ele via a ruína da humanidade por meio da piedade e da caridade. É bem verdade que ele era contra a escravidão, como todo burguês liberal de sua época, mas sua visão social estava profundamente comprometida com o ideário de seu estrato social.


7) Apesar de tudo, as teorias de Darwin ainda são muito contestadas. Livros
como A Caixa Preta de Darwin, de Michael Behe, lançam dúvidas quanto à
veracidade de suas teses. Há motivos para, 150 anos depois, as teorias ainda
serem contestadas?

Não nesse sentido de Behe. Ele é um dos que vê perfeição onde ela não existe e a engenhosidade da bioquímica é muito mais uma sucessão de alternativas termodinamicamente econômicas do que um proverbial projeto divino. Não há perfeição na natureza. Pense na sua coluna vertebral ou na próstata! Quantos defeitos de projeto! Tudo é precário e provisório, mesmo que funcione bem até a idade reprodutiva. As contestações a Darwin, nos diz o zoólogo Mário de Pinna, em um escrito recente, ou são anacrônicas ou irrelevantes. Ele compara a ideia da evolução à idéia da esfericidade da Terra. Durante muito tempo se questionou a idéia de que a Terra fosse redonda. Àquela época, havia razões para isso. Mas hoje, o questionamento ou é anacrônico – imagine alguém defendendo a idéia de que a Terra é plana o ridículo que enfrentaria! – ou ele é irrelevante – alguém dizendo que ela é achatada nos pólos, por isso não é redonda! A Terra é redonda, em linhas gerais. Se ela é um esferóide achatado nos pólos não muda em nada a idéia geral. O mesmo ocorre com a evolução. A comunidade científica discute hoje COMO a evolução ocorre e não SE a evolução ocorre. As idéias de Behe nada mais são do que a Teologia Natural de William Paley, que via perfeição em todo lugar, repaginadas com os contextos bioquímicos modernos. Não podemos esquecer que 99,9% das espécies que já existiram foram extintas. Isso é um claríssimo indício de que não há nada de perfeito, pelo menos em nosso planeta! Essa idéia devemos a Darwin. Ela não tinha ocorrido a Galileu!
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