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domingo, 14 de abril de 2019

Criacionismo: distorcendo ciência e matérias jornalísticas


A matéria de 29 de abril do Estado de São Paulo (v. neste blog) repercutiu muito mais do que poderíamos imaginar. Um blog criacionista escreveu o seguinte:
"Os cientistas Nelio Bizzo (Faculdade de Educação da USP), Mario de Pinna e Maria Landim (Museu de Zoologia da USP), Paulo Sano (Departamento de Botânica da USP) e Acácio Pagan (Departamento de Biociências da Universidade Federal de Sergipe) pretendem criar um núcleo de apoio à pesquisa sobre educação, divulgação e epistemologia da evolução biológica, em parceria com a USP, como forma de combater a propagação da teoria da criação (SIC), de acordo com informações do jornalista Paulo Lopes.
Esse grupo de cientistas afirma em sua proposta à USP que estão preocupados com 'manifestações de membros da comunidade científica se posicionando publicamente a favor da perspectiva criacionista, distorcendo fatos para questionar a validade científica da evolução biológica'  (...)".

Em seguida, descreve um nome de cientista criacionista que supostamente teríamos em mente. Trata-se de  uma tentativa de distorcer fatos, ao personalizar a discussão do entendimento público da ciência, despolitizando-a. Não se trata da visão de uma pessoa, e tampouco o grupo que reunimos pretende impor uma visão pessoal ao tema. Pretendemos, isso sim, esclarecer a opinião pública e a comunidade educacional de que não existe uma "teoria da criação"; mas sim versões da Teologia Natural, fundada por Tomás de Aquino, no século XIII.

No século XVI a Igreja Católica, no Concílio de Trento, ratificou essa visão de Aquino ("tomismo") como a doutrina filosófica oficial do catolicismo, em resposta a diversos questionamentos do movimento protestante. Isso fez com que os teólogos protestantes buscassem outra fundamentação filosófica para a leitura do mundo natural como reflexo da mente de seu criador. No século XVIII os anglicanos tiveram em William Paley um teólogo de grande expressão, e sua obra foi leitura obrigatória na Universidade de Cambridge por mais de 100 anos. O próprio Charles Darwin foi muito influenciado por suas ideias, e o historiador Dov Ospovat argumentou que isso trouxe problemas teóricos importantes para que desenvolvesse o conceito de adaptação. Tenho escrito bastante sobre isso, e procurei fazer uma síntese dessas dificuldades nesse novo livro que está sendo lançado pela Editora Melhoramentos (v. blog - "Pensamento Científico: a natureza da ciência no ensino fundamental").

O blog criacionista tem como intenção apenas inculcar a ideia de que existe uma "teoria da criação" fora do campo religioso, o que simplesmente não é verdade. Qualquer congresso de genética respeitado pela comunidade científica, como os realizados pela Sociedade Brasileira de Genética, simplesmente rejeitariam qualquer comunicação que citasse algo parecido com uma "teoria da criação", sempre tendo por base os mesmos critérios utilizados para os demais trabalhos.

Trata-se, na verdade, de uma deslealdade com o leitor médio, que não reconhece que o termo "teoria" não configura necessariamente algo de natureza científica. É possível ter uma teoria do inferno, ou do paraíso, ou da existência da Santíssima Trindade, ou de sua inexistência, o que aliás é alvo de disputas entre teólogos de diferentes denominações. Mas nenhum congresso científico aceitaria discutir tais teorias

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