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sábado, 28 de agosto de 2010

Com a palavra, o aluno

Aqui vai mais um e-mail que recebi. Não sei se é verdadeiro ou não, portanto o repasso sem garantir sua procedência. Para quem conhece o assunto, talvez interesse. Justifico: esse blog quer ajudar as pessoas a entender que evolução não é progresso e o assunto exemplifica isso bem.



from: Mauri_Marcos_Oliveira@ceu.org

to: chico@livroquevende.com.br

cc: bizzo@usp.br

subject: Avaliação do Livro Didático



Caro senhor Chico,



O senhor não me conhece, mas resolvi escrever-lhe depois de ter sido chamado, mais uma vez, para ver o que andam falando sobre avaliação de livro didático aí embaixo. A professora Daisy me mostrou seu livro não didático e me disse que um jornalista ganhou um exemplar e pretende lhe dar destaque, mas que temos que opinar.

Vou me apresentar primeiro. Deixei Andradina no dia 30 de Março de 1991, muito antes do que meus pais desejavam, justamente por causa de um livro didático não avaliado. Jogávamos bola no campinho da escola e na minha vez de pular o muro para pegar a bola fui picado por uma jararaca. O professor de ciências é sempre chamado nessas horas e, como o livro distribuído pela Secretaria de Educação dizia que era para aplicar torniquete... foi o que fizeram comigo. E o torniquete acabou provocando um entupimento de uma artéria do meu coração; por isso ele não bate mais desde aquele dia.

Me chamaram porque no seu livro o senhor resolveu desentranhar o passado de uma maneira altamente seletiva, mas essa idiossincrasia pode acabar fazendo com que mais crianças venham para cá antes da hora. O seu amigo jornalista é muito importante e pode fazer as pessoas acharem que tudo o que está no seu livro é verdade. Mas aqui onde estou, todo mundo consegue enxergar as verdades e as mentiras, sem confusão. Por exemplo, sua justificativa de que o "Harrison's Internal Medicine" recomenda torniquete para as picadas de serpentes brasileiras é mentira. Todo mundo sabe disso aqui, e sabe que o senhor também sabe que é mentira. Nada que não possa ser perdoado, pois, afinal, quando o senhor se envolveu nesse assunto, seu sogro e o poderoso sócio dele, queriam uma indicação norte-americana. Isso ia impressionar os burocratas do MEC e desmoralizar a avaliação. Mas seu pai já sabia bem que o que é bom para os Estados Unidos nem sempre é bom para o Brasil. Isso o senhor acabou descobrindo depois, quando viu que os livros da editora da família estavam mesmo irremediavelmente reprovados. E aquele torniquete que me matou estava lá... até desenhado com um emblemático lencinho branco...

Eu já estava há cinco anos aqui e não parava de chegar criança com o mesmo problema que o meu. Isso era maio de 1996, e logo depois, a imprensa alardeou as justificativas da reprovação e o caso do torniquete ganhou destaque, não só nos jornais, mas também no rádio e até na televisão. E, veja só, o número de pessoas que morrem por picadas de serpente no Brasil baixou pela metade desde aquela época.

O senhor já tinha ouvido essa história do seu amigo da UNICAMP. Eu ainda não o conheci, mas sei que ele recebeu o livro que tinha sido aprovado naquele PNLD 1997 antes de todo mundo. E quem tinha arrumado o livro era justamente o sócio de seu sogro. Se hoje ele continua tendo informações privilegiadas do MEC, como o senhor diz em seu livro, o senhor deveria ter começado a história do começo, quando o senhor se beneficiava desse acesso privilegiado.


A recomendação que apareceu no Guia de Livros Didáticos estava mesmo mal escrita, mas como o senhor bem reparou, a crítica foi feita com bom senso, pois aquele livro didático não deixava de ser recomendado com muita ênfase. Era bom mesmo, e era o único bom, o senhor sabia disso. Não tinha torniquete, não matava criança. Mas a resenha não confundia alhos com bugalhos. Ela recomendava que o professor explicasse melhor o que a figura não deixava evidente. Mas, como os pareceres daquela época não diziam como o livro devia ser, a imagem "corrigida" NÃO foi sugerida, tampouco produzida. Mas o seu leitor, nobre e paciente leitor, será enganado ao ver as imagens da página 68 do seu livro. O seu leitor, que o senhor tanto preza, não vai reparar que a figura 2.2, naquela página, foi inventada pelo senhor e não por recomendação da avaliação. Seu leitor não vai reparar naquela letra miúda, esperta, faceira, da legenda daquela figura 2.2, que diz "MODIFICADO de:". Faltou falar por quem, e com qual intenção...

Portanto, sua conclusão de que o caso comprovaria inexistência de controle de qualidade no PNLD corre por sua própria conta e risco. Ela não decorre das evidências que apresenta. Se o desenho não evidenciava um fenômeno que pudesse ser entendido por crianças de menos de dez anos, isso não significa que haja erro na resenha, muito menos que não haja controle de qualidade no PNLD. Esse controle tem a ver com livros EXCLUÍDOS. O senhor não indica nenhum livro injustamente excluído no PNLD, a não ser o seu. Portanto, sua conclusão de falta de controle de qualidade não se sustenta. Esse é um mau começo para o livro.

O seu leitor vai pensar, do jeito que o senhor fala do PNLD 1996 (que não existiu), PNLD 1997 e PNLD 1998, que os avaliadores eram analfabetos em astronomia! Coitados! Aliás, o senhor fala isso. A professora Daisy ficou muito brava; gaucha brava é pior que machão nordestino. Mas, e como explicar então que esse era justamente o assunto que justificava a maior parte das exclusões, as quais não foram contestadas, nem mesmo em seu livro não didático? Os erros foram divulgados, além dos pareceres completos na internet, em um artigo da Ciência Hoje, de junho de 1996. O senhor leu o artigo e até telefonou para o coordenador da avaliação, que entendeu aquilo como concordância com o resultado. A grande maioria dos livros era ruim mesmo. Mas quem lê seu livro não didático hoje vai pensar que o telefonema, que o senhor não menciona, teria sido para ensinar coisas elementares de astronomia, como dizer que as fases da Lua foram explicadas "há mais de cem anos". Se tivesse dito isso naquele telefonema teria ouvido o nome de um grego mais velho do que Ptolomeu! Mas os livros didáticos do PNLD 1997, eles sim, confundiam coisas elementares, e não só em astronomia!

O mais importante: os pareceres de exclusão não faziam o que o senhor fez... inventar ilustrações nos livros da concorrência. Por exemplo, o livro didático mais vendido à época explicava o verão com uma figura, com a Terra se aproximando do Sol; o inverno ocorreria do outro lado da elipse (e que elipse!). Estava lá e a reprodução que aparece no artigo de Ciência Hoje é fotográfica. Em textos e ilustrações, havia livros que mostravam eclipses e diziam ser as fases da Lua! Aquilo sim era confundir alhos com bugalhos!



Mas eu não entendi seu livro não didático. O senhor começa dizendo que os avaliadores do passado erravam quando elogiavam os livros didáticos aprovados, para depois dizer que seu livro didático não deveria ter sido reprovado agora, pois foi elogiado no passado! Talvez o senhor tenha mesmo razão: os avaliadores do passado, se acertavam ao excluir, talvez errassem ao recomendar! O senhor conhece muito bem um colégio privado que adotou seu livro e, depois, acabou não concordando com os elogios dos avaliadores. Acharam até o Gagárin voando no Sputnik!

Essa incoerência só não vai causar espécie em leitor sonolento e em jornalista profissional em fazer do sapo bailarina. Para divulgar pareceres não é necessário projeto de lei!

Mas o senhor não menciona, em seu livro não didático, outro livro didático de sua autoria, que foi EXCLUÍDO no PNLD. Esse livro didático mereceu um parecer que apontava dezenas de erros conceituais, e terminava assim:

Embora todos os argumentos aqui apresentados já sejam suficientes para revelar as graves deficiências da Coleção 54040-4 como instrumento didático e pedagógico, o aspecto mais grave da coleção, no entanto, reside no fato que ela contraria os critérios de avaliação do PNLD em relação à segurança e à integridade física dos alunos. O Edital de Convocação para inscrição dos livros didáticos dispõe, à pág. 50, na seção reservada aos critérios eliminatórios:

“Deve-se evitar terminantemente a sugestão de experimentos com substâncias químicas concentradas, em especial ácidos e bases (...)” (grifo nosso)

Não observando tal recomendação, o volume de sétima série (74042-0) pede que os alunos realizem um experimento com “50 g de H2SO4 (ácido sulfúrico) concentrado” (pág. 154, grifo nosso). Trata-se de experimento que não admite variações, devendo obrigatoriamente ser realizado com solução concentrada. O risco de acidente sério é elevado, pois a ordem de mistura dos componentes pode resultar em explosão, com conseqüências gravíssimas. Não existem sequer observações ou explicações sobre isso no livro. Queimaduras resultantes do contato com a pele são previsíveis, além de outros agravos à saúde, mesmo sob o simples contato com a roupa. O atendimento a esses acidentes demanda instalações e procedimentos especiais, que, além de não estarem discriminados no livro, dificilmente poderiam ser encontrados em escolas públicas.

Por fim, caberia registrar a semelhança entre diversas partes desta Coleção com outra, “Caminhos da Ciência” (Editora IBEP), destinada às primeiras séries do ensino fundamental. Torna-se difícil entender a pertinência de apresentar a um aluno da sétima série (pág. 43), exatamente o mesmo texto da pág. 94 do livro da terceira série da coleção “Caminhos da Ciência”, sem que ela figure sequer na bibliografia da pág. 183 da coleção 54040-4. A sensação de repetição, inclusive empobrecida, permanecerá de forma muito concreta e presente. Espera-se que os alunos progridam em seus estudos e não apenas repitam aquilo que os mais jovens têm como tarefa.

Em síntese, considerando a presença de experimentos que colocam em risco a integridade física de alunos e professores; considerando a presença de uma metodologia que privilegia apenas a memorização; considerando a ocorrência de erros e de incorreções conceituais; de confusão terminológica, além das demais deficiências já apontadas neste Parecer, conclui-se que a Coleção 54040-4 não apresenta condições de ajudar a desenvolver um ensino eficaz e promover um aprendizado efetivo, devendo, portanto ser Excluída do PNLD/2002

Esse parecer o senhor não mencionou no seu livro não didático...

Muitos são a favor da educação, mas poucos são contra a ignorância, em especial quando ganham muito dinheiro com ela. Eremildo conhece bem esse discurso. Até ele precisa rever o que escreve, ou já ir pensando em uma desculpa. Mentira não pode virar verdade só por causa de um livro, ou de um artigo de jornal.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Ensino de Evolução: Mesa Redonda

A XXXVIII (isso mesmo, a 38a.!) Semana de Bio-Estudos da FFCL de Ribeirão Preto da USP promove uma mesa redonda com dois geneticistas e um educador, sobre o ensino de evolução, logo mais. Fábio de Melo Sene (USP-RP) será o mediador; Reinaldo Alves de Brito (UFSCar) falará sobre Evo-Devo e Macroevolução e eu falarei sobre Darwin-Mendel e o ensino de evolução.

Começa às 16:10h, no auditório da Filô no belo campus de Ribeirão Preto.

A Semana é organizada pelos alunos da Biologia, organizados no Centro de Estudantes da Biologia (CEB), que organizaram (impecavelmente!) cursos, palestras e até mesmo a exibição de um filme recente (""Criação").

Confira a programação:

http://cebusprp.blogspot.com/

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Educatecas, Livros Didáticos e Sapos Bailarinos

Pela primeira vez desde que o PNLD existe, os pareceres que reprovaram livros didáticos foram publicados!

Esta notícia, que um jornalista famoso publicou no dia de ontem, tem nada menos do que quatorze anos de atraso. Sim, porque em 1996, os pareceres que excluíram os livros didáticos do PNLD 1997 foram publicados NA INTERNET, no site da Escola do Futuro da USP, na área do Grupo de Ensino de Ciências Via Telemática. A notícia, a bem dizer a verdade, apareceu no Jornal Nacional, em novembro daquele ano. Foram os primeiros documentos oficiais do MEC a irem para a internet!

Em junho daquele mesmo ano a revista Ciência Hoje, publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, trazia um detalhado relato do trabalho de avaliação realizado com os livros de Ciências. A avaliação continuou e, em Abril de 2000, novo artigo aparecia na mesma revista, desta vez mostrando as justificativas para exclusão dos liros dos anos finais do ensino fundamental, mas o artigo, que trazia exemplos e revelações impoertantes, não interessou os jornalistas de plantão. Que pena!

Quem quiser ver este artigo, pode aproveitar pois ele ainda está na internet, no mesmo lugar onde estavam os pareceres do MEC:

www.darwin.futuro.usp.br/site/doprofessor/livrodidatico.pdf

Se o ofício de jornalista fosse um pouco mais trabalhoso, demandaria revisar pelo menos matérias congêneres anteriormente publicadas. No Observatório da Imprensa acharia uma matéria que explicava a razão de os primeiros pareceres de avaliação dos livros didáticos terem sido removidos da internet, onde permaneceram por diversos anos. Para economizar alguns segundos de pesquisa, aqui vai o URL comentando uma crítica que já era velha em 2004:

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=292OFC001

De qualquer forma, não precisaria recuar além de março de 2004, pesquisando o próprio jornal. Encontraria um estranho artigo, sem assinatura, criticando a avaliação de livros didáticos do MEC e reproduzindo declarações de uma dirigente do MEC que já não constava dos quadros da instituição havia alguns meses! Quase ao mesmo tempo, na mesma pauliceia, um grupo de pessoas se jactava de ter conseguido a publicação daquele artigo, classificado como "isento" (do que, imposto de renda?) e de espaço muito destacado no painel do leitor do domingo seguinte, onde uma filha de autora de livro didático excluído falava mal de um avaliador (adivinhe quem...), uma clara evidência de que a patuléia tem mesmo que tomar cuidado, não apenas com os livros didáticos, mas também com certos jornais . Não é comum ouvir que uma família brinca de dona de jornal por uma semana... Taxar de educatecas um enorme grupo de pessoas, reconhecidas como educadores, é fácil e pode até soar divertido, mas não dá para esconder a curvatura ao poder econômico e à conveniência política.

Que existe muito o que aprender, não há dúvida. Mas não será apresentando a verdade como uma mistificação que alguém irá ensinar algo para a patuléia. Como dizia Câmara Cascudo, para produzir trabalho intelectual digno do nome é preciso acordar cedo e dar-se ao trabalho de conhecer melhor o que se pretende ver além dos outros. De outra forma, ao dormir sobre os livros, fará do sapo bailarina.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Semana de História e Filosofia da Biologia

Caríssimos,

Não percam nesta semana a programação do congresso anual da ABFHiB (www.abfhib.org) com uma série de convidados internacionais. Aproveitamos a vinda de um deles, James Moore, para dar uma palestra em nosso curso de pós-graduação:

Aula aberta da disciplina ECB5706 - Divulgação Científica e Biologia Evolutiva,

JAMES MOORE (Open University - UK)
"Charles DArwin and the Origin of Species"

DIA 10 de Agosto - 3a. feira
15 horas
Auditório do Museu de Zoologia da USP
Avenida Nazaré, 481 - Ipiranga
www.mz.usp.br


Maria Isabel Landim e Nelio Bizzo

A palestra será em inglês.

Agradecimentos são devidos à ABFHiB e à sua presidente, profa. Maria Elice Prestes (IB-USP), pela obtenção dos recursos junto à FAPESP para a viabilização do evento e vinda dos convidados.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Darwin e a Geopolítica do Beagle

O postilhão dos Andes

Com um pouco de atraso acabo de ver essa matéria do Jornal da UFRGS, que está no link:

http://www.ufrgs.br/comunicacaosocial/jornaldauniversidade/122/pagina11.htm.

Eu faria pequenos reparos, entre eles a questão de que o Canal Beagle seria uma passagem segura entre o Atlântico e o Pacífico, questão central para os Estados Unidos. A corrida ao ouro da costa oeste precisaria de uma via de escoamento e a viagem por terra era simplesmente impensável. Pelo mar, o caminho pelo Ártico, a chamada passagem noroeste, ainda não era realidade - e só se tornou comercialmente viável neste ano de 2010 (por motivos lamentáveis, ligados ao derretimento do gelo no Ártico).

A Inglaterra tinha todo o interesse em ter uma via alternativa ao Estreito de Magalhães, dominado originalmente por canhões espanhóis. A independência das colônias ibéricas na América era interessante para a Inglaterra e inspirou uma série de reações (entre elas a Doutrina Monroe). De qualquer forma, o mapeamento da região era estratégico e a longitude do Rio de Janeiro permanecia ainda controversa. O Beagle, com seus 22 cronômentros H-4 e a dedicação compulsiva do capitão FitzRoy com a precisão, foram pioneiros na determinação precisa das longitudes da América do Sul.

Assim, eu diria que o desafio de apresentar uma aula magna para uma platéia diversificada foi muito estimulante. Foi necessário tratar de história, geografia, sociologia e... biologia evolutiva!

Assim que tiver um tempo, pretendo escrever um texto sobre essa palestra. Quem quiser assisti-la, pode contar com a contribuição de uma boa alma que teve a paciência de filmá-la e a postou em partes no You Tube. Com as palavras-chave Darwin, Bizzo e Andes o vídeo é fácil achar.

domingo, 1 de agosto de 2010

Evolução: ontem e hoje

Entrevista concedida a Patrícia Piacentini:

Estou preparando uma reportagem sobre Biodiversidade, falando de estudos atuais que contribuem para a elucidação das lacunas da teoria da evolução e a partir dos quais se explica a biodiversidade.

O Sr. pode me ajudar, respondendo às questões abaixo? Tenho que finalizar este trabalho até dia 01/08 (domingo).

1) Pode-se dizer que a Teoria da Evolução é o estudo mais importante para se explicar a diversidade biológica? Atualmente, quais outros parâmetros são utilizados?


Eu diria que sem uma teoria que conceba a evolução biológica é impossível compreender a diversidade biológica. A vida tem uma dinâmica própria que impõe mudanças a cada geração e a evolução é uma consequência em larga escala dessa dinâmica em pequena escala. Essencialmente, uma molécula, ao se modificar, muda todo o planeta.

2) Quais as questões que a Biologia tenta responder para elucidar pontos em aberto da pesquisa de Darwin?

Em geral as pessoas se supreendem ao saber que a ciência tem muito mais perguntas em aberto do que respostas prontas e acabadas. Há algumas questões que Darwin estudou e que continuam em aberto, por exemplo, a regeneração de partes do corpo. Darwin se perguntava a razão de algumas partes se regenerarem rapidamente em alguns animais e outras não. Por exemplo, a cauda dos peixes, que são frequentemente mordidas por predadores, tem alto poder de regeneração. Hoje se sabe que existem células-tronco que são capazes de regenerar os tecidos do órgão, mas o mecanismo preciso ainda não foi esclarecido.

3) Em sua área de atuação, descreva uma pesquisa como exemplo desta relação entre Teoria da Evolução e Biodiversidade.

Estudo como cientistas do passado explicavam a biodiversidade e a forma como os estudantes de hoje conseguem concebê-la. É interessante que se encontram paralelos. Por exemplo, no passado, antes de Dawin, chegou-se a propor que a diversidade seria resultado da hibridização, da combinação das espécias originalmente criadas. Essa idéia ainda persiste de maneira muito forte. A diversificação não depende de hibridização (que pode ocorrer naturalmente e explicar a existência de algumas espécies, sobretudo de plantas, mas são poucos casos)

4) Qual a diferença entre a extinção natural, explicada por Darwin e a extinção que se vê hoje? O que deve ser feio para mudar este cenário?

As extinções locais e globais são fenômenos naturais, e ocorreram pelo menos cinco grandes extinções em massa no Fanerozoico (últimos 545 milhões de anos) e outras cinco extinções importantes, inclusive uma no Cenozoico. Mesmo assim, o número de espécies (marinhas pelo menos) tem uma tendência de alta. Há hoje mais espécies habitando ambientes marinhos do que em qualquer época do passado. No entanto, o ritmo de extinções locais e globais está aumentando o que leva muitos a acreditarem que estamos em meio ao sexto evento de extinção em massa. É importante perceber que não se pode esperar acabar com as extinções, mas sim diminuir a aceleração de seu ritmo. Por exemplo, os grandes mamíferos estão desaparecendo nos últimos 10 milhões de anos. Daqui a 10 milhões de anos, talvez 90% das espécies de mamíferos serão do tamanho de camundongos. Mas a matança de baleias e o derretimento do gelo dos pólos decerto encurta esse prazo.

sábado, 10 de julho de 2010

De novo... o Direito dos Professores

Tenho que pedir desculpas, mas o blog vai ter que se tornar mais amplo do que eu mesmo pretendia... Minha consciência não me deixa ficar calado diante de injustiças, ainda mais contra professores.

Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei que pretende obrigar os professores a realizarem curso superior diante de certas ameaças. Pelo menos um sindicato de professores (do RS) já se manifestou contra o projeto.

Continuo recebendo mensagens de professoras desesperadas, com medo de perder o direito de trabalhar de acordo com a habilitação profissional que possuem. Veja um dos e-mails (9 de julho de 2010):

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OLA, EDUCADOR NELIO BIZZO!

EU ME CHAMO ANDREIA, MORO NO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Minha visita ao seu e-mail é para lhe pedir algumas orientações sobre os municipios que insistem em não aceitar o diploma do CEFAM, o qual é habilitação nível médio, e tenho licenciatura plena em letras e estou terminando o curso de pedagogia.
Educador, prestei um concurso de prefeitura aqui mesmo no interior. No edital pedia somente o CURSO NORMAL E PEDAGOGIA.
Eu dou aulas no 1°ano do ensino fundamental em uma escola particular, eles não aceitaram o meu diploma, então entrei com o mandado de segurança e estou aguardando a resposta, mas tenho uma preocupação se caso a prefeitura entrar com recurso ai vai para o tribunal superior então eu posso perder a ação? mesmo os meus diplomas estando de acordo com o artigo 62 de LDB?
acredito que logo deve sair a resposta do mandado de segurança porque agora posso ganhar, mas a prefeitura é obrigada a recorrer ou não? e eu posso recorrer da decisão do tribunal superior se caso a prefeitura entrar com recurso e eu perder?
Estou tão decepicionada com essa situação porque não foi facil estudar, ai você passa em um concurso é sou excluida é muito triste....

ESTOU AGUARDANDO SUA RESPOSTA
DESDE JA MUITO OBRIGADO! ANDREIA

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Respondi o e-mail convidando a professora a visitar este blog, e as postagens que se referem especificamente ao assunto.

Voltaremos a ele, mas por enquanto eu pergunto: há algum projeto de lei tramitando no Congresso Nacional estabelecendo que os jornalistas sem nível superior perderão o direito de trabalhar? Ou então que os Promotores Públicos, bacharéis em Direito que são, perderão o cargo se não tiverem sido aprovados no exame da OAB?

Sem nenhuma consulta, já adivinho que não! A pergunta então é: por que só os professores podem perder o direito de trabalhar ao não cumprirem uma disposição legal futura?

Por fim, caberia lembrar que o melhor presidente da República, pelo menos o com o maior nível de aprovação ao final de um longo mandato democrático, não tinha diploma de nível superior, e, mesmo assim, ganhou diversos doutorados honoris causa!)

Voltaremos ao assunto.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

De volta ao nosso tema...

Charles Darwin e Galápagos
(segue a curta entrevista dada ao Portal IG)

Portal IG: Acredita que, se Darwin não tivesse realizado a viagem, ele teria escrito "A Origem das Espécies"?

Nelio Bizzo: Creio que não. Ele provavelmente teria escrito outros livros, mas uma obra com a pretensão de ser uma explicação para uma ampla gama de classes de fatos proveio do grande acervo que ele colecionou na viagem, e do qual ele pode dispor ao longo de muitos anos.

Portal IG: Quais o senhor acredita que foram os momentos mais marcantes da viagem?

Nelio Bizzo: Foram diversos, mas eu creio que os Andes proporcionaram a Darwin uma experiência ímpar de pesquisar Geologia e fazer muitas descobertas, inclusive sobre o tempo geológico. Esta foi uma peça-chave em seu quebra-cabeças.

Portal IG: Galápagos recebeu o prestígio por ter sido lá que Darwin percebeu pequena
diferença entre cada espécie de acordo com cada ilha. Mas as observações
tomadas em toda a viagem também não foram relevantes?

Nelio Bizzo: Sou muito crítico das chamadas abordagens "galapagocêntricas". Não se conhece nem mesmo uma única carta de Darwin escrita de Galápagos; não fossem as anotações de FitzRoy, Darwin nem mesmo teria separado os pássaros por ilha, uma vez que os misturara em um mesmo lugar. Ele teve informações erradas sobre a proveniência dos animais, uma vez que corria a informação de que as tartarugas e os iguanas tinham sido trazidos para as ilhas junto com as cabras e porcos (se sabia da existência de tartarugas gigantes em outras ilhas distantes). Darwin devia ter se interessado por mais elementos da fauna e da fauna em 1835 se soubesse que as ilhas estavam menos alteradas do que se pensava...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A Luta dos professores com curso normal

Aproveito para postar um e-mail que recebi há algum tempo, de uma professora que tinha se formado no magistério, em nível médio, mas que não conseguia ver seu diploma respeitado. [a tempo: o curso normal de nível médio, enquanto existiu, fou o único curso de nível médio que conferia diploma para o exercício profissional].

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Ola professor Bizzo gostaria de dizer antes de tudo que sou sua fã numero 1
devido a varios posicionamentos em favor da defesa dos direitos dos
professores de nivel medio.

Bem a minha visita ao seu email é nada mais que pedir algumas orientações
sobre os municipios que insistem em desprezar os titulos profissionais dos
profesores com habilitação em nivel medio.

Passei em um concurso para professor na prefeitura de salvador na Bahia e
fui excluida pro não ter curso superior em Pedagogia, e leciono há anos em
escola particular, curso Letras em uma faculdade particular e ainda não me
formei por questão financeira, e imagine só sem poder trabalhar para pagar a
minha faculdade.

Entrei com um mandado de segurança e fui contemplada mas a prefeitura
entrou com recurso e o juiz revogou a liminar antes concedida e eu
recorri e estou aguardando mas eu temo pela decisão e fico triste por ter
procurado vários órgãos que pensava ser competentes que até agora não me
ajudaram em nada.

Que órgãos devo procurar, que ajuda devo recoorrer, por favor me ajude. Sei que tenho meus direitos garantidos pela Contituição, o meu diploma de
nível médio em Magisterio é válido até o fim da minha vida, e não estou sendo
respeitada.

Muito obrigada Bárbara

Resposta:

Cara Bárbara,

Obrigado por seu e-mail. De fato não posso concordar com o discurso que quer
promover a educação desqualificando professores, que freqüentaram cursos e
atenderam a todas as exigências legais de seu tempo, em boa fé. Um e-mail como o
seu só pode me convencer que valeu a pena trabalhar algum tempo no CNE
procurando colaborar com a educação básica.

O acesso a cargos públicos não pode ser cerceado, senão afrontando a
Constituição. Todas as pessoas legalmente qualificadas para exercer um cargo
público podem concorrer a ele, se estiverem em dia com suas obrigações civis e
atenderem o quadro legal de referência.

Por favor, alerte seu advogado para a sentença, em caráter terminal, que o
Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu contra os recursos da Secretaria de
Estado da Educação de São Paulo, em favor dos mandados de segurança dos
professores com diploma de nível médio na modalidade normal, que ingressaram por
concurso, sob liminar (o edital os proibia), e estavam ameaçados ao tomar posse.


Depois de dois anos de tramitação, a sentença final é totalmente favorável aos
professores, e a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo nada pode fazer
além de dar posse e integrar à carreira os professores aprovados no concurso. A
sentença final do Tribunal de Justiça diz que a exigência, no edital do concurso
de 2005, de nível superior para a educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental é uma "exclusão discricionária" que viola "direito líquido e certo"
do professor exercer sua profissão.

Para facilitar, te adianto as referências que ajudarão seu advogado a encontrar
o acórdão:

Estado de São Paulo
9a. VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processo n. 952/05

Tribunal de Justiça de SP
Apelação com Revisão n 538 167 5/8-00
Voto N. 4122/07

O sindicato dos professores de Salvador deve conhecer esta informação, mas
talvez vc. pudesse encaminhar-lhe este e-mail.

Desejo a você muito boa sorte e fico contente em ver que você persevera na
profissão, inclusive buscando formação de nível superior. É de professores assim
que nossas crianças precisam. Parabéns!

Abraço fraterno,

Nelio Bizzo

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Com licença, o educador Nelio Bizzo

Tinha me prometido tratar só de evolução biológica no meu blog. Tenho me segurado muito mas, pedindo desculpas, tenho que postar uma matéria me defendendo.

Acabo de ser citado em um blog (24/05/2010), que pretende me insultar chamando-me de “educador”. O “insulto” advém do fato de eu ter sido relator de um processo que perguntava se os professores sem nível superior iriam perder o direito de lecionar na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental a partir de 2007. O parecer foi submetido ao plenário do Conselho Nacional de Educação, que o aprovou, e foi em seguida homologado pelo Ministro da Educação (em 2003). A homologação mereceu um editorial negativo de um jornal conservador de São Paulo, o que muito me orgulha, pois me citava nominalmente, sem me permitir ter direito de resposta (“o citado tem o espaço das cartas dos leitores para responder”, me disse o jornal).

O fato é que um conjunto de interesses espúrios foi formado, com o deliberado intento de ter acesso às verbas da educação, oferecendo formação de 5ª. categoria a professores em efetivo exercício da profissão, diante da escandalosa ameaça de que eles perderiam o direto de trabalhar a partir de 2007. Minha mãe foi ofendida, em sessão pública, no plenário do CNE, da pior forma possível, por uma conselheira imersa em interesses comerciais contrariados, que jamais se desculpou pelo insulto. Minha mãe o levou para o túmulo.

O parecer não só foi homologado pelo Ministro da Educação (da era Lula, pois sob FHC jamais o seria), como serviu de base para inúmeros julgamentos no âmbito do Judiciário. Embasou até mesmo o ganho de causa, decorrente de uma liminar impetrada por um órgão classista (de professores de SP), contra a decisão da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo de não permitir a participação de professores legalmente habilitados em concursos públicos. Os professores realizaram o concurso sob amparo de liminar, e tiveram o mérito julgado favoravelmente pelo plenário do Tribunal de Justiça de SP. Sua posse foi garantida pelo TJ, contrariamente a o que tinha dito o secretário de educação de SP.

Portanto, o tal parecer não pode ser confundido com uma “canetada” imperial ou algo do tipo. Ao contrário, foi uma análise desapaixonada dos direitos dos professores, frequentemente usurpados, e que foi apresentado de peito aberto diante dos mais qualificados fóruns da justiça brasileira. Se ele prevaleceu, isso indica que seus argumentos tinham solidez e não se baseavam em preconceitos momentosos, como o de satanizar a classe dos professores, culpando-os pela falta de qualidade da educação.

A redação do artigo 62 da LDB mudou recentemente - pouca gente se deu conta disso - e novamente aparecerão dúvidas sobre quais direitos foram preservados. O parecer instituiu um marco teórico para discutir os direitos dos professores diante da mudança das leis (direito intertemporal) e o fato de ele ainda despertar reações iradas, sete anos depois de editado, talvez seja indicação nesse sentido.

Espero que o Parecer tenha deixado claro que não existe retroação das leis capaz de vulnerar o direito profissional dos professores. Novas exigências podem ser colocadas a qualquer momento, mas elas não retroagem no tempo e não podem anular direitos dos professores.

Em 2005 foi homologado outro parecer de minha autoria que fazia justamente essa extensão, aplicando esse entedimento para outros aspectos da vida funcinal dos professores. Após sua aprovação em plenário no CNE, ele levou dois anos para ser homologado pelo ministro da educação, o que indica a quantidade de interesses constrariados que teve de enfrentar. Ele está disponível em:

http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb04_03.pdf

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Sobre a Natureza da Ciência

Por via das dúvidas, resolvi postar a entrevista dada ao repórter da Folha de São Paulo, Ricardo Bonalume Neto no mês passado. Como o tema é mais delicado do que o da postagem anterior, achei por bem publicar a íntegra das respostas e perguntas.

1. Por que a origem da ciência moderna costuma estar vinculada à Revolução Científica do século 17? Por que o que veio antes, ou o que se fazia fora da Europa, não merece ser chamado de “ciência”?

- Na verdade, o marco fundamental é Nicolau Copérnico, que nasceu em 1473 e fez uma contribuição pouquíssimo conhecida em sua época. O que ele fez, na verdade, foi se livrar de certas amarras que vinham desde o Egito e a Grécia, e se dispôs a explicar o mundo sem compromissos com a religião. Os astros deixaram de ser vistos como divindades caprichosas, a Bíblia deixou de ser vista como o guia único do pensamento, enfim, ele ousou afirmar que a Terra se move em torno do Sol, mesmo se isso contrariava as escrituras, que afirmam que o profeta Josué mandou parar o Sol, e não a Terra. Galileu, quase 100 anos depois, conheceu e compreendeu a obra de Copérnico, e passou a produzir novos conhecimentos com os mesmos princípios e o resultado foi uma verdadeira explosão de conhecimento. Não só novos fatos, mas novas formas de produzir conhecimento são geradas continuamente. O desenvolvimento dos meios de produção passou a depender fundamentalmente dessa nova forma de produzir conhecimento, que se costuma chamar ciência moderna. No mundo antigo se produzia conhecimento, que pode ser chamado ciência, mas estamos falando de outras formas de produzir conhecimento. Paulo Abrantes [filósofo da ciência da UnB], cuja obra é muito importante, mostra que a distinção não era total, mas em essência, estamos falando de algo diferente.

2. Fazer ciência é aplicar o método científico _juntar evidências observáveis, realizar experimentos reprodutíveis e mensuráveis_, ou ciência, uma atividade humana como outra qualquer, é “aquilo que os cientistas fazem”?

“Aquilo que os cientistas fazem” é uma forma pouco feliz de definir ciência. Tautologias à parte, ela é uma expressão de certo preconceito contra a ciência, como se ela fosse uma simples manifestação cultural ou tecnológica, tal qual uma prática religiosa ou técnica, como uma seita fechada que se autodefine arbitrariamente, ou, como você mesmo disse “uma atividade humana como outra qualquer”. Há um erro formal aqui. Galileu não conheceu Copérnico nem Newton – viveram em épocas diferentes - mas os três trabalharam juntos, no sentido que compartilharam princípios e métodos. Quando Newton dizia ter enxergado longe por ter subido no ombro de gigantes, ele não estava apenas espicaçando Leibnitz (que tinha baixa estatura), mas havia alguma sinceridade ali. Ele ajudou a aperfeiçoar uma forma de criar conhecimento que tinha sido inventada antes dele. Essa é a ciência moderna, uma atividade humana, sem dúvida (no que há de bom e mau nisso), mas que está longe de ser como outra qualquer. Observe qualquer religião e compare o quanto ela mudou nos últimos dez anos. Compare essa mudança (se achar alguma) com as mudanças de qualquer área da ciência. A diferença certamente será brutal, e isso mostra que a ciência está longe de ser uma atividade como outra qualquer.

3.Cientistas costumam ser criticados por manipularem a natureza, ou criarem mais problemas do que soluções _como é o caso na opinião de muitos, por exemplo, da energia nuclear ou das culturas transgênicas. Há validade nesse tipo de crítica, ou trata-se de obscurantismo?

A crítica é válida, mas, para ser justa, não pode se restringir aos cientistas. Os juízes tomam decisões que nos afetam e que afetam a natureza; eles permitem queimadas, garantem a propriedade privada de matas e corpos d’água, colocam na cadeia quem questiona a propriedade privada ou a atividade econômica não sustentável. Os políticos fazem leis que amparam essa forma de organização social e econômica, o aparelho de estado possui milhares de ocupações que chancelam as mais variadas agressões à natureza, os religiosos abençoam exércitos, máquinas de guerra e bombas, produzidos por indústrias que geram empregos, os quais, ao fim e ao cabo, todos querem. É verdade que os cientistas então quer no aparelho de estado, quer junto aos meios de produção, mas não podem ser apontados como bodes expiratórios, capazes de carregar para longe nossos problemas, assim como também não têm o poder de provocar todo o mal do mundo. A dialética da ciência a leva a produzir ao mesmo tempo venenos e antídotos, mas a sociedade é que decide o quanto de cada um deles deve ser usado. O uso da bomba atômica, malgrado a tragédia que a envolveu, contou com aprovação popular, pelo menos nos Estados Unidos, não nos esqueçamos disso. O mesmo pode ser dito das fogueiras da Inquisição e de tantos outros momentos da história dos quais não nos orgulhamos e que não queremos ver repetidos – muitos dos quais nada tiveram a ver com a ciência ou com os cientistas.

4. Qual, na sua opinião, o principal problema do ensino da ciência no país, tanto no ensino fundamental, como na universidade?

Creio que o principal problema seja o de não reconhecer a especificidade do objeto da disciplina, como se fosse uma apenas uma forma chata de literatura. Ladainhas de termos técnicos são por vezes apresentados aos estudantes, que nenhum sentido conseguem ver naquilo, além de uma literatura pobre, uma poética tosca. Estudar ciência significa muito menos memorizar fatos e termos técnicos e muito mais entender como a humanidade se livrou das amarras da escuridão do intelecto. Parafraseando um antigo adágio latino, os cientistas do passado não nos legaram ideias hoje ultrapassadas, mas sim o pensar criativo de seu tempo.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Revista da Tv Escola do MEC: algumas correções

Uma entrevista é sempre algo complicado, pois nunca se sabe o que vão colocar em sua boca. Por isso, de longa data, aprendi a dar entrevistas por escrito. Quer perguntar? Mande as perguntas por e-mail e terei prazer em responder...

Este foi o caso com o pessoal do MEC que me contactou em março de 2009 (reparem a data, mais de um ano atrás - no ano do bicentenário de Darwin).

O fato é que nesse meio-tempo (por assim dizer) as perguntas e as respostas mudaram bastante... Não acredito em evolução neste caso, e não posso concordar que se mudem as perguntas e as respostas, sem que o coitado do entrevistado possa opinar.

O fato é que fui alertado para o conteúdo da entrevista que saiu publicada na Revista do TV-Escola do MEC, de Março-Abril de 2010, às páginas 7 a 10. A entrevista me apresenta de maneira muito elogiosa - não quero ser ingrato com o pessoal da revista, a quem devo muitos agradecimentos - mas ela fez edição de perguntas e respostas sem me dizer nada. Apresenta as respostas como se tivessem sido dadas em uma "conversa descontraída", o que está longe de permitir que o leitor perceba que tudo se deu por e-mail. Não gostei desse detalhe. Eles poderiam ter me retornado a entrevista depois da edicão.

O prezado leitor perceberá que não estou exagerando, pois a entrevista foi simplesmente repaginada daquela anterior dada a uma revista criptocriacionista. Sim, havia tanta pressa (em março de 2009!) que ofereci mandar a entrevista que acabara de responder (e que já postei aqui há algum tempo!), o que foi prontamente aceito.

O PDF da revista do MEC pode ser baixado em:
http://tvescola.mec.gov.br/images/stories/revista/tecnologias_na_educacao/tvescola_180210_final.pdf

Lá está a versão editada da entrevista re-reproduzida logo a seguir. O que pode ser visto é que:

a- Ninguém disse que Darwin se formou em Medicina. Seu diploma era de Bacharelado em Artes, obtido em Cambridge. O curso de medicina, iniciado em Edimburgo, foi abandonado no início.

b- O Estreito de Magalhães não se chamava Canal Beagle. Alias, Magalhães passou pela região alguns séculos antes do Beagle. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A avaliação de geografia do MEC costuma reprovar livros com erros como esse... O que os ingleses buscavam (havia algum tempo) era uma passagem ALTERNATIVA ao estreito de Magalhães. [A primeira vez que escrevi isso foi em 1987, em O que é Darwinismo]

c- O trecho "Além de Samuel Wilberforce (o bispo anglicano de Oxford), Lord Kelvin foi outro opositor ferrenho." virou: "Além de Samuel Wilberforce, Lord Kelvin - outro bispo anglicano de Oxford - foi opositor ferrenho do pensamento darwiniano". Aqui a edição espichou a conversa e converteu Kelvin em bispo!

Enfim, ficou difícil reconhecer minhas palavras em alguns trechos. Quero ainda dizer que a ideia de que eu fui um dos "poucos" a ser credenciado para trabalhar no Manuscripts Room da Universidade de Cambridge é um exagero que devemos à edição da entrevista. Centenas ou milhares de pessoas já obtiveram essa credencial, talvez poucas no Brasil, mas no mundo certamente não foram poucas. De qualquer forma, `a época em que me credenciei, enfrentei um processo longo e custoso, para o qual não tive financiamento oficial, tendo de contar com as economias minhas, de minha família e de meus pais. O sacrifício, financeiro inclusive, foi muito maior do que o de outros pesquisadores, em especial da Europa e Estados Unidos. Por isso, não deixo de registrar meu contato com as fontes primárias de informação do darwinismo - é uma forma de reconhecimento e agradecimento, em especial a meus familiares.

De qualquer forma, quero ser criticado pelos meus erros, e não pelos de terceiros. Aí vai a íntegra da entrevista.


1) Como surgiu seu interesse por Darwin? O que o levou a pesquisar os
manuscritos originais do cientista e o que mais o impressionou ao estudá-los?

Meu interesse por Darwin e pela evolução vem de muito pequeno, com as histórias que meu pai me contava sobre Galileu. Meu pai estudou física na Universidade de Pádua e dizia que as carteiras tinham a marca de Galileu! Era uma brincadeira que eu levei alguns anos para entender, mas ficou o fascínio para procurar entender o que os cientistas do passado pensaram. Ele dizia que os cientistas do passado não nos legaram idéias velhas, mas o pensar criativo. Minha paixão pela Biologia me levou ao mestrado em Biologia Evolutiva. Dali criei um projeto de pesquisa que pretendia estabelecer paralelos entre o que se passa na mente dos estudantes quando começam a estudar evolução e a maneira em que o Origem das Espécies foi escrito. Estava interessado não na versão impressa, mas nos rascunhos, rabiscos, em conhecer a ordem de escrituração do livro. Para isso, até o tipo de papel era importante, para saber se a página estava na sequência ou se era uma página nova, de pensamento refeito. Foi muito emocionante, mas me senti invadindo a privacidade não só de Darwin, mas de sua família. Percebi o peso ético de uma pesquisa histórica.


2) Há poucos livros em português acessíveis ao público leigo tratando de Darwin, que não sejam didáticos (usados no ensino médio). Isso o motivou a escrever “Darwin- No Telhado das Américas” ?

Sim, exatamente. Eu queria interessar os jovens por um problema emocionante, e ao mesmo tempo contar histórias de amor, falar de astronomia, de economia política, de literatura, da história da América do Sul - que vergonhosamente não está em nossos currículos. E isso, abordando o principal: a idéia de tempo geológico, percorrendo o mesmo trajeto mental que Darwin percorreu. É uma faceta pouco conhecida, mas absolutamente necessária para o entendimento atual da teoria.O livro sai agora em segunda edição (2009), com dois capítulos novos. Um deles explica a teoria evolutiva em detalhes, o outro trata da dimensão pessoal de Darwin e de sua primeira namorada, uma figura esquecida na história de Darwin!


3) Qual a importância da viagem do Beagle para a estruturação das idéias evolutivas de Darwin?

A viagem do Beagle foi um acontecimento muito importante para a geopolítica da época. Bastava dizer que para ir de Nova York a São Francisco (ainda não havia trem!) era necessário atravessar o Estreito de Magalhães ou ... o Canal Beagle! Sim, o nome do canal se deve ao navio, que, na viagem anterior, percorreu a região e achou uma passagem alternativa, evitando o Cabo Horn, um caminho tempestuoso e muito perigoso. A longitude precisa do Rio de Janeiro não era conhecida em 1832 e ela definia, por triangulação, todo o contorno cartográfico da América do Sul. Mas, para Darwin, em especial, a viagem do Beagle foi o acontecimento mais importante de sua vida, pois lhe permitiu conhecer uma região que ainda não tinha sido investigada do ponto de vista geológico. Além disso, Darwin coletou muitos espécimes, que se revelaram de grande importância para o conhecimento da época. Quando Darwin voltou, ele já era uma pessoa conhecida nos meios científicos ingleses.


4) O principais opositores de Darwin parecem ter sido religiosos e a Igreja. Isso é real?

Se você se refere à Igreja Anglicana, está correto, mesmo porque fora da Inglaterra Darwin ainda não era conhecido. Por outro lado, a Igreja Católica aceitava as definições de tempo geológico que vinham sendo desenvolvidas desde o século XVIII, chancelando a publicação de livros que foram precursores importantes da geologia que permitiu a obra de Darwin. A Inquisição tinha dado seu "Imprimatur" para livros, como de Antonio Vallisneri, professor da Universidade de Pádua e seguidor de Galileu, que diziam que os restos de mares encontrados em grande altitudes nos Alpes nada tinham a ver com o dilúvio bíblico, mas sim com "grandes revoluções" da Terra em tempo remoto. E não podemos perder de vista que a Igreja Anglicana controlava as universidades inglesas. Não é à toa que os grandes cientistas britânicos da época, como Charles Lyell, eram escoceses - e não ingleses. Além de Samuel Wilberforce (o bispo anglicano de Oxford), Lord Kelvin foi outro opositor ferrenho. Mas ele tinha seus compromissos com a elite acadêmica da época, toda ligada à Igreja Anglicana. Basta dizer que Kelvin ia ao culto todos os dias e Darwin nunca foi professor universitário.


5) Lendo sobre Darwin, tem-se a impressão que sua vida foi cheia de incertezas e certo temor de chocar o mundo abalando antigas convicções. Darwin, o homem, era assim mesmo?

As incertezas começaram desde o embarque no Beagle. Uma moça lindíssima (e milionária) tentou impedir que Darwin viajasse no Beagle - chegou a ir até o cais do porto! - mas não conseguiu. Ela se casaria com Charles, se ele decidisse pedir sua mão em casamento. A própria viagem era cercada de incertezas, pois era uma aventura de fato perigosa, basta dizer que vários marujos morreram na viagem, inclusive no Brasil, possivelmente de malária, quando nada se sabia sobre sua real forma de transmissão pelos mosquitos. A idéia de que Darwin relutou em publicar não leva em consideração o fato de que a teoria tinha diversas lacunas e Darwin estava ciente disso. Apenas em 1856 ele conseguiu preencher uma das lacunas mais importantes, criando o "princípio da divergência". Este foi, na verdade, o verdadeiro rompimento com a teologia natural de William Paley, pois assumia que a adaptação biológica não é perfeita e, portanto, não se pode ver marcas de nenhuma mente divina ao olhar para a natureza. Essa idéia é revolucionária até hoje e até mesmo bioquímicos reputados não a admitem.



6) As teorias de Darwin tiveram enorme impacto na sociedade e no modo de pensar do ser humano, modificando conceitos na esfera ética, moral e até religião. Além da
teoria científica, quais os principais impactos trazidos pelas idéias de Charles Darwin?

Na própria teologia, Darwin acabou por explicar um dos problemas que afligiam Alfred Wallace desde a juventude, a teodisséia. Wallace se perguntava porque havia tanta fome, tanto sofrimento, tanta guerra, se havia um Deus benevolente e onipotente que tudo podia. Ele então queria que sofrêssemos, que as crianças adoecessem, era um Deus que criava os males do mundo? Darwin trouxe a perspectiva de um mundo inacabado, que tem um moto próprio e que não exclui a possibilidade de um Deus. Evidentemente não é uma entidade que fica cuidando dos ovos nos ninhos das aves e que manda os chupins devassarem os ninhos dos tico-ticos em determinados momentos exatos. O mundo de Darwin é um mundo-máquina, na tradição newtoniana, que se move por leis próprias, e que pouco conhecemos. O que há na sua origem, dizia a base do agnosticismo - uma invenção de outro amigo de Darwin, Thomas Huxley - nós não sabemos. Mas o Darwin idoso avançou a linha da prudência e chegou a condenar a vacinação contra a varíola, dizendo que o ser humano não pratica consigo mesmo aquilo que faz com seus animais e plantas. Ele permite que apenas os animais de boa estirpe se reproduzam nas fazendas, mas nos hospitais e asilos envida todos os esforços para prolongar a vida de criaturas débeis, que a Natureza teria eliminado. Ele via a ruína da humanidade por meio da piedade e da caridade. É bem verdade que ele era contra a escravidão, como todo burguês liberal de sua época, mas sua visão social estava profundamente comprometida com o ideário de seu estrato social.


7) Apesar de tudo, as teorias de Darwin ainda são muito contestadas. Livros
como A Caixa Preta de Darwin, de Michael Behe, lançam dúvidas quanto à
veracidade de suas teses. Há motivos para, 150 anos depois, as teorias ainda
serem contestadas?

Não nesse sentido de Behe. Ele é um dos que vê perfeição onde ela não existe e a engenhosidade da bioquímica é muito mais uma sucessão de alternativas termodinamicamente econômicas do que um proverbial projeto divino. Não há perfeição na natureza. Pense na sua coluna vertebral ou na próstata! Quantos defeitos de projeto! Tudo é precário e provisório, mesmo que funcione bem até a idade reprodutiva. As contestações a Darwin, nos diz o zoólogo Mário de Pinna, em um escrito recente, ou são anacrônicas ou irrelevantes. Ele compara a ideia da evolução à idéia da esfericidade da Terra. Durante muito tempo se questionou a idéia de que a Terra fosse redonda. Àquela época, havia razões para isso. Mas hoje, o questionamento ou é anacrônico – imagine alguém defendendo a idéia de que a Terra é plana o ridículo que enfrentaria! – ou ele é irrelevante – alguém dizendo que ela é achatada nos pólos, por isso não é redonda! A Terra é redonda, em linhas gerais. Se ela é um esferóide achatado nos pólos não muda em nada a idéia geral. O mesmo ocorre com a evolução. A comunidade científica discute hoje COMO a evolução ocorre e não SE a evolução ocorre. As idéias de Behe nada mais são do que a Teologia Natural de William Paley, que via perfeição em todo lugar, repaginadas com os contextos bioquímicos modernos. Não podemos esquecer que 99,9% das espécies que já existiram foram extintas. Isso é um claríssimo indício de que não há nada de perfeito, pelo menos em nosso planeta! Essa idéia devemos a Darwin. Ela não tinha ocorrido a Galileu!
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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

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