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segunda-feira, 18 de junho de 2012

Edward Wilson e o fim da Sociobiologia

Defendo com unhas e dentes o princípio de que uma das marcas mais enobrecedoras de um pensador se revela quando ele muda de ideia e admite isso publicamente. Admiro pessoas assim. A caminho do aeroporto para participar do congresso de João Pessoa (a última postagem), fui contatado por um repórter de Folha de São Paulo, Reinaldo José Lopes - um jovem brilhante - para responder algumas perguntas sobre a mudança de posição de Edward Wilson, um de seus herois intelectuais.

A conversa se estendeu por e-mails durante o congresso, e como a matéria aparentemente "caiu", como se diz no jargão jornalístico, achei por bem reproduzir aqui. Seguem detalhes saborosos com os e-mails trocados, me desculpando pela falta de revisão gramatical e ortográfica:

Caro professor Bizzo,
>>>
>>>
>>>
>>> Tudo bem por aí? Espero que sim. Sou editor de Ciência da Folha de S.Paulo e
>>> gostaria muito de entrevistá-lo.
>>>
>>>
>>>
>>> Estou fazendo uma reportagem grande na Folha sobre a virada pró-seleção de
>>> grupo no pensamento do Edward O. Wilson - um livro recém-lançado dele vai
>>> contra a própria ideia de seleção de parentesco, dizendo que há poucas
>>> evidências empíricas sólidas a respeito dela.
>>>
>>>
>>>
>>> Gostaria muito de conversar com o senhor a respeito entre amanhã e quarta.
>>> Posso ligar para o senhor? Em quais telefones o encontro?
>>>
>>>
>>>
>>> Abraço e obrigado,
>>>
>>> -------------------
>>> Reinaldo José Lopes
>>> Editor de Ciência e Saúde/Science and Health editor
>>> Folha de S.Paulo

Caro Reinaldo,
>>
>> Como vai?
>> Estou de saída para o simpósio de J.Pessoa. Vc. vai?
>> (http://www.iseb2012.com/#!program)
>> Vc. vai encontrar alguns dos maiores geneticistas do planeta lá, que
>> bem poderiam falar sobre o assunto muito melhor do que eu.
>>
>> De minha parte, já te adianto que não me surpreende. Eu era estudante
>> de pós-graduação e já dizia que uma conjectura (que, na verdade era de
>> W.D.Hamilton, em seus dois artigos no Journal of Theoretical Biology,
>> de 1964), não podia ser apresentada como uma verdade absoluta. Cursei
>> a disciplina "Sociobiologia" durante o mestrado, e lembro-me que no
>> trabalho final, batizei a “nova ciência” de "compadrio genético" e
>> levantei outra conjectura, igualmente válida, dizendo que, se as de
>> Wilson estivessem corretas, o editor do livro “Sociobiology” deveria ser seu
>> aparentado. Quase fui reprovado! Para retribuir a gentileza, traduzi
>> dois artigos do "Science for the People Group" (do Garland Allen,
>> S.J.Gould e Cia.) e os publiquei pelo Centro Acadêmico da Biologia com
>> lindes de crueldade: uma das palavras-chave da ficha catalográfica era
>> "nazibiologia"! (achei
há pouco uma cópia sobrevivente e me diverti

>> muito).
>>
>> Pois é, como dizem, o que se faz aqui se paga aqui...
>>
>> Se vc. não for ao congresso, podemos combinar por e-mail (não sei
>> ainda o nome do hotel em qeu vou ficar, mas certamente tem internet).
>>
>> Abraço,
>>
>> Nelio

> Oi professor,
>
> que pena, não estava sabendo do congresso. Seria uma oportunidade e tanto!
>
> Vou mandar algumas perguntas por email em breve então. De pronto, será que posso citar essa história pessoal sua na reportagem? É muito interessante e iconoclasta, me parece.
>
> Abraço e nos falamos,
> -------------------
> Reinaldo José Lopes
> Editor de Ciência e Saúde/Science and Health editor
> Folha de S.Paulo

Caro Reinaldo,

Sim, pode usar essa história pessoal. Ela ocorreu em 1981 e conversei
pessoalmente com o Garland Allen recentemente sobre ela há pouco tempo.

Vamos`as questões:

1)Quanto o senhor acha que tem de bagagem ideológica nas guinadas do Wilson? Tinha mesmo um elemento de conservadorismo político na defesa dele da seleção de parentesco? E tem isso também nessa volte-face pró-seleção de grupo?

Acho que a carga ideológica da seleção de parentesco era evidentemente
muito grande, pois era uma justificativa muito forte para o
determinismo genético e uma série de práticas sociais moralmente
inaceitáveis, como o racismo e a xenofobia. O "Science for the People
Group" estava denunciando isso, mas de qualquer forma, do ponto de
vista brasileiro, estávamos em plena ditadura. Chamar a sociobiologia
de naziobiologia foi certamente um exagero, mas não se pode perder de
vista que, como estudantes atuando em um Centro Acadêmico da época,
estávamos apenas razoavelmente exigindo o impossível.


2)Deixando de lado por um instante o lado político-ideológico, o senhor acha que hoje ele está em terreno teórico e empírico mais seguro ao defender a seleção de grupo? Ou, na prática, nada mudou?

A Filosofia da Ciência nos diz que é impossível que o cientista deixe
de ser influenciado pelas suas convicções mais íntimas quando
interpreta a natureza. Mas isso não invalida os produtos da ciência;
tomemos um exemplo clássico: o russo I. Mechnikov (1845-1916), que
inicialmente rejeitou o darwinismo pela sua similaridade com os
valores da sociedade capitalista e depois, dentro de um contexto
inclusive pessoal dramático, mudou completamente de ideia. Ele acabou
por desenvolver a teoria fagocítica, também muito útil ao ethos
competitivo e bélico, mas essencial para entender a imunidade, pelo
que ganhou inclusive o prêmio Nobel. Já argumentei que talvez um Nobel
tenha sido pouco, pois ele nos ensinou que a ciência não se invalida
pela “marca de nascença” social. O problema é seu uso para explicar a
sociedade. Os glóbulos brancos continuam a combater bactérias; o uso
ideológico da teoria fagocítica adviria da justificação das guerras ou
do orçamento militar dos países como sendo algo “natural”.

A seleção de grupo tem uma base
empírica muito ampla e reconhecida e nos ajuda a entender situações
nas quais a seleção darwiniana individual não explica o padrão
observado em grupos de indivíduos que colaboram em vez de competir.Darwin dizia que havia duas coisas que lhe tiravam o sono: a formiga e o pavão. Aliás este é o título de um belo livro da Helena Cronin.

3)Ele argumenta que há um paralelo importante entre a eussocialidade dos insetos sociais e a "eussocialidade" humana. O que o sr. acha? É totalmente estapafúrdio?

A eussociabilidade dos insetos surgiu várias vezes de maneira
independente e a sociabilidade dos primatas não tem, rigorosamente
falando, nenhuma característica homóloga com qualquer de suas versões.
Dizer que podemos compreender a sociedade humana olhando para uma
colméia de abelhas me parece outra típica manifestação daquele cacoete
ideológico que Wilson parece não ter perdido. Talvez seja genético...
Talvez ele seja descendente de uma família que possui um gene que faz
as pessoas pensarem que tudo é genético! [não publique isso, é infame demais!]


Se quiser conversar, podemos combinar pelo skp hj depois
das 18h (o congresso está ótimo!)

Abraço,

Nelio

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Darwin: postillion of the Andes

O I International Symposium on Evolutionary Biology (www.iseb2012.com) reuniu pesquisadores de várias partes do mundo e constituiu um evento memorável, além de dezenas de apresentações de posteres, de altíssima qualidade. Finalmente achei alguém que me explicou porque não existem mamíferos verdes (fica para outra postagem...).




Eu prometi deixar indicações de fontes bibliográficas disponíveis, reproduzindo as pranchas finais que apresentei. Aproveito para acrescentar o vídeo que não tive tempo de apresentar. Eu tinha incluído um pequeno trecho deste vídeo que está disponível no YOU TBE, bastando buscar "DARWIN NOS ANDES":

A parte inicial do vídeo:


A parte final do vídeo:

O vídeo está baseado no livro editado pela Ed. Odysseus (Darwin no telhado das Américas). Na segunda edição (de 2009) tive de incluir um capítulo adicional, descrevendo os detalhes do desfecho da história de Charles e Fanny. Se o irmão dela tivesse embarcado quase certamente ocorreria o que tinha sido garantido por FitzRoy: eles poderiam desembarcar depois de conhecer o trópico, e provavelmente voltariam de Montevidéo, em meados de 1832. Nada de Galápagos e muito menos do Bosque fóssil! Já pensaram?

No livro que está sendo lançado agora (Pensamento científico. Ed. Melhoramentos) há um capítulo sobre Darwin que focaliza mais detidamente a construção dos principais conceitos da teoria, em especial sua ruptura com o finalismo aristotélico e com a teologia natural.

Aqui vão as indicações de fontes e bibliografia: