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quarta-feira, 12 de maio de 2010

Revista da Tv Escola do MEC: algumas correções

Uma entrevista é sempre algo complicado, pois nunca se sabe o que vão colocar em sua boca. Por isso, de longa data, aprendi a dar entrevistas por escrito. Quer perguntar? Mande as perguntas por e-mail e terei prazer em responder...

Este foi o caso com o pessoal do MEC que me contactou em março de 2009 (reparem a data, mais de um ano atrás - no ano do bicentenário de Darwin).

O fato é que nesse meio-tempo (por assim dizer) as perguntas e as respostas mudaram bastante... Não acredito em evolução neste caso, e não posso concordar que se mudem as perguntas e as respostas, sem que o coitado do entrevistado possa opinar.

O fato é que fui alertado para o conteúdo da entrevista que saiu publicada na Revista do TV-Escola do MEC, de Março-Abril de 2010, às páginas 7 a 10. A entrevista me apresenta de maneira muito elogiosa - não quero ser ingrato com o pessoal da revista, a quem devo muitos agradecimentos - mas ela fez edição de perguntas e respostas sem me dizer nada. Apresenta as respostas como se tivessem sido dadas em uma "conversa descontraída", o que está longe de permitir que o leitor perceba que tudo se deu por e-mail. Não gostei desse detalhe. Eles poderiam ter me retornado a entrevista depois da edicão.

O prezado leitor perceberá que não estou exagerando, pois a entrevista foi simplesmente repaginada daquela anterior dada a uma revista criptocriacionista. Sim, havia tanta pressa (em março de 2009!) que ofereci mandar a entrevista que acabara de responder (e que já postei aqui há algum tempo!), o que foi prontamente aceito.

O PDF da revista do MEC pode ser baixado em:
http://tvescola.mec.gov.br/images/stories/revista/tecnologias_na_educacao/tvescola_180210_final.pdf

Lá está a versão editada da entrevista re-reproduzida logo a seguir. O que pode ser visto é que:

a- Ninguém disse que Darwin se formou em Medicina. Seu diploma era de Bacharelado em Artes, obtido em Cambridge. O curso de medicina, iniciado em Edimburgo, foi abandonado no início.

b- O Estreito de Magalhães não se chamava Canal Beagle. Alias, Magalhães passou pela região alguns séculos antes do Beagle. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A avaliação de geografia do MEC costuma reprovar livros com erros como esse... O que os ingleses buscavam (havia algum tempo) era uma passagem ALTERNATIVA ao estreito de Magalhães. [A primeira vez que escrevi isso foi em 1987, em O que é Darwinismo]

c- O trecho "Além de Samuel Wilberforce (o bispo anglicano de Oxford), Lord Kelvin foi outro opositor ferrenho." virou: "Além de Samuel Wilberforce, Lord Kelvin - outro bispo anglicano de Oxford - foi opositor ferrenho do pensamento darwiniano". Aqui a edição espichou a conversa e converteu Kelvin em bispo!

Enfim, ficou difícil reconhecer minhas palavras em alguns trechos. Quero ainda dizer que a ideia de que eu fui um dos "poucos" a ser credenciado para trabalhar no Manuscripts Room da Universidade de Cambridge é um exagero que devemos à edição da entrevista. Centenas ou milhares de pessoas já obtiveram essa credencial, talvez poucas no Brasil, mas no mundo certamente não foram poucas. De qualquer forma, `a época em que me credenciei, enfrentei um processo longo e custoso, para o qual não tive financiamento oficial, tendo de contar com as economias minhas, de minha família e de meus pais. O sacrifício, financeiro inclusive, foi muito maior do que o de outros pesquisadores, em especial da Europa e Estados Unidos. Por isso, não deixo de registrar meu contato com as fontes primárias de informação do darwinismo - é uma forma de reconhecimento e agradecimento, em especial a meus familiares.

De qualquer forma, quero ser criticado pelos meus erros, e não pelos de terceiros. Aí vai a íntegra da entrevista.


1) Como surgiu seu interesse por Darwin? O que o levou a pesquisar os
manuscritos originais do cientista e o que mais o impressionou ao estudá-los?

Meu interesse por Darwin e pela evolução vem de muito pequeno, com as histórias que meu pai me contava sobre Galileu. Meu pai estudou física na Universidade de Pádua e dizia que as carteiras tinham a marca de Galileu! Era uma brincadeira que eu levei alguns anos para entender, mas ficou o fascínio para procurar entender o que os cientistas do passado pensaram. Ele dizia que os cientistas do passado não nos legaram idéias velhas, mas o pensar criativo. Minha paixão pela Biologia me levou ao mestrado em Biologia Evolutiva. Dali criei um projeto de pesquisa que pretendia estabelecer paralelos entre o que se passa na mente dos estudantes quando começam a estudar evolução e a maneira em que o Origem das Espécies foi escrito. Estava interessado não na versão impressa, mas nos rascunhos, rabiscos, em conhecer a ordem de escrituração do livro. Para isso, até o tipo de papel era importante, para saber se a página estava na sequência ou se era uma página nova, de pensamento refeito. Foi muito emocionante, mas me senti invadindo a privacidade não só de Darwin, mas de sua família. Percebi o peso ético de uma pesquisa histórica.


2) Há poucos livros em português acessíveis ao público leigo tratando de Darwin, que não sejam didáticos (usados no ensino médio). Isso o motivou a escrever “Darwin- No Telhado das Américas” ?

Sim, exatamente. Eu queria interessar os jovens por um problema emocionante, e ao mesmo tempo contar histórias de amor, falar de astronomia, de economia política, de literatura, da história da América do Sul - que vergonhosamente não está em nossos currículos. E isso, abordando o principal: a idéia de tempo geológico, percorrendo o mesmo trajeto mental que Darwin percorreu. É uma faceta pouco conhecida, mas absolutamente necessária para o entendimento atual da teoria.O livro sai agora em segunda edição (2009), com dois capítulos novos. Um deles explica a teoria evolutiva em detalhes, o outro trata da dimensão pessoal de Darwin e de sua primeira namorada, uma figura esquecida na história de Darwin!


3) Qual a importância da viagem do Beagle para a estruturação das idéias evolutivas de Darwin?

A viagem do Beagle foi um acontecimento muito importante para a geopolítica da época. Bastava dizer que para ir de Nova York a São Francisco (ainda não havia trem!) era necessário atravessar o Estreito de Magalhães ou ... o Canal Beagle! Sim, o nome do canal se deve ao navio, que, na viagem anterior, percorreu a região e achou uma passagem alternativa, evitando o Cabo Horn, um caminho tempestuoso e muito perigoso. A longitude precisa do Rio de Janeiro não era conhecida em 1832 e ela definia, por triangulação, todo o contorno cartográfico da América do Sul. Mas, para Darwin, em especial, a viagem do Beagle foi o acontecimento mais importante de sua vida, pois lhe permitiu conhecer uma região que ainda não tinha sido investigada do ponto de vista geológico. Além disso, Darwin coletou muitos espécimes, que se revelaram de grande importância para o conhecimento da época. Quando Darwin voltou, ele já era uma pessoa conhecida nos meios científicos ingleses.


4) O principais opositores de Darwin parecem ter sido religiosos e a Igreja. Isso é real?

Se você se refere à Igreja Anglicana, está correto, mesmo porque fora da Inglaterra Darwin ainda não era conhecido. Por outro lado, a Igreja Católica aceitava as definições de tempo geológico que vinham sendo desenvolvidas desde o século XVIII, chancelando a publicação de livros que foram precursores importantes da geologia que permitiu a obra de Darwin. A Inquisição tinha dado seu "Imprimatur" para livros, como de Antonio Vallisneri, professor da Universidade de Pádua e seguidor de Galileu, que diziam que os restos de mares encontrados em grande altitudes nos Alpes nada tinham a ver com o dilúvio bíblico, mas sim com "grandes revoluções" da Terra em tempo remoto. E não podemos perder de vista que a Igreja Anglicana controlava as universidades inglesas. Não é à toa que os grandes cientistas britânicos da época, como Charles Lyell, eram escoceses - e não ingleses. Além de Samuel Wilberforce (o bispo anglicano de Oxford), Lord Kelvin foi outro opositor ferrenho. Mas ele tinha seus compromissos com a elite acadêmica da época, toda ligada à Igreja Anglicana. Basta dizer que Kelvin ia ao culto todos os dias e Darwin nunca foi professor universitário.


5) Lendo sobre Darwin, tem-se a impressão que sua vida foi cheia de incertezas e certo temor de chocar o mundo abalando antigas convicções. Darwin, o homem, era assim mesmo?

As incertezas começaram desde o embarque no Beagle. Uma moça lindíssima (e milionária) tentou impedir que Darwin viajasse no Beagle - chegou a ir até o cais do porto! - mas não conseguiu. Ela se casaria com Charles, se ele decidisse pedir sua mão em casamento. A própria viagem era cercada de incertezas, pois era uma aventura de fato perigosa, basta dizer que vários marujos morreram na viagem, inclusive no Brasil, possivelmente de malária, quando nada se sabia sobre sua real forma de transmissão pelos mosquitos. A idéia de que Darwin relutou em publicar não leva em consideração o fato de que a teoria tinha diversas lacunas e Darwin estava ciente disso. Apenas em 1856 ele conseguiu preencher uma das lacunas mais importantes, criando o "princípio da divergência". Este foi, na verdade, o verdadeiro rompimento com a teologia natural de William Paley, pois assumia que a adaptação biológica não é perfeita e, portanto, não se pode ver marcas de nenhuma mente divina ao olhar para a natureza. Essa idéia é revolucionária até hoje e até mesmo bioquímicos reputados não a admitem.



6) As teorias de Darwin tiveram enorme impacto na sociedade e no modo de pensar do ser humano, modificando conceitos na esfera ética, moral e até religião. Além da
teoria científica, quais os principais impactos trazidos pelas idéias de Charles Darwin?

Na própria teologia, Darwin acabou por explicar um dos problemas que afligiam Alfred Wallace desde a juventude, a teodisséia. Wallace se perguntava porque havia tanta fome, tanto sofrimento, tanta guerra, se havia um Deus benevolente e onipotente que tudo podia. Ele então queria que sofrêssemos, que as crianças adoecessem, era um Deus que criava os males do mundo? Darwin trouxe a perspectiva de um mundo inacabado, que tem um moto próprio e que não exclui a possibilidade de um Deus. Evidentemente não é uma entidade que fica cuidando dos ovos nos ninhos das aves e que manda os chupins devassarem os ninhos dos tico-ticos em determinados momentos exatos. O mundo de Darwin é um mundo-máquina, na tradição newtoniana, que se move por leis próprias, e que pouco conhecemos. O que há na sua origem, dizia a base do agnosticismo - uma invenção de outro amigo de Darwin, Thomas Huxley - nós não sabemos. Mas o Darwin idoso avançou a linha da prudência e chegou a condenar a vacinação contra a varíola, dizendo que o ser humano não pratica consigo mesmo aquilo que faz com seus animais e plantas. Ele permite que apenas os animais de boa estirpe se reproduzam nas fazendas, mas nos hospitais e asilos envida todos os esforços para prolongar a vida de criaturas débeis, que a Natureza teria eliminado. Ele via a ruína da humanidade por meio da piedade e da caridade. É bem verdade que ele era contra a escravidão, como todo burguês liberal de sua época, mas sua visão social estava profundamente comprometida com o ideário de seu estrato social.


7) Apesar de tudo, as teorias de Darwin ainda são muito contestadas. Livros
como A Caixa Preta de Darwin, de Michael Behe, lançam dúvidas quanto à
veracidade de suas teses. Há motivos para, 150 anos depois, as teorias ainda
serem contestadas?

Não nesse sentido de Behe. Ele é um dos que vê perfeição onde ela não existe e a engenhosidade da bioquímica é muito mais uma sucessão de alternativas termodinamicamente econômicas do que um proverbial projeto divino. Não há perfeição na natureza. Pense na sua coluna vertebral ou na próstata! Quantos defeitos de projeto! Tudo é precário e provisório, mesmo que funcione bem até a idade reprodutiva. As contestações a Darwin, nos diz o zoólogo Mário de Pinna, em um escrito recente, ou são anacrônicas ou irrelevantes. Ele compara a ideia da evolução à idéia da esfericidade da Terra. Durante muito tempo se questionou a idéia de que a Terra fosse redonda. Àquela época, havia razões para isso. Mas hoje, o questionamento ou é anacrônico – imagine alguém defendendo a idéia de que a Terra é plana o ridículo que enfrentaria! – ou ele é irrelevante – alguém dizendo que ela é achatada nos pólos, por isso não é redonda! A Terra é redonda, em linhas gerais. Se ela é um esferóide achatado nos pólos não muda em nada a idéia geral. O mesmo ocorre com a evolução. A comunidade científica discute hoje COMO a evolução ocorre e não SE a evolução ocorre. As idéias de Behe nada mais são do que a Teologia Natural de William Paley, que via perfeição em todo lugar, repaginadas com os contextos bioquímicos modernos. Não podemos esquecer que 99,9% das espécies que já existiram foram extintas. Isso é um claríssimo indício de que não há nada de perfeito, pelo menos em nosso planeta! Essa idéia devemos a Darwin. Ela não tinha ocorrido a Galileu!
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