A Atualidade de Charles Darwin
Este era o título da matéria das páginas 160-1 da Veja 2134, de 14 de outubro de 2009, que chegou às bancas no dia 11/10. A matéria era interessante e falava do lançamento do livro " A Ilha de Darwin" de Steve Jones, geneticista do University College de Londres. A matéria anuncia três lançamentos, mas fala apenas deste e de um outro, uma seleção de correspondências de Darwin, lançamento da UNESP. A matéria, escrita por Diogo Schelp trata de diversos assuntos e demonstra certo conhecimento tanto de Biologia quanto de sua História. Mas a matéria tinha alguns erros.
Eu mandei, no dia 13/10, o seguinte e-mail para o diretor de redação, devidamente identificado com RG etc:
Sr Diretor de Redação,
A matéria "A atualidade de Charles Darwin" (veja de 14 de outubro, pág 160-2) anuncia três lançamentos, menciona dois, e traz uma bela matéria sobre o livro de Steve Jones (A ilha de Darwin). No entanto, ela merece alguns reparos, pois menciona que Darwin perdeu dois filhos ainda na infância, e isso teria tido importância para seus interesses de pesquisa sobre endogamia. Na verdade foram três, mas em contextos muito distintos. Está razoavelmente bem estabelecido que um deles era portador da Síndrome de Down (que ainda não tinha esse nome), e faleceu em 1858, logo antes do término da redação de Origem das Espécies. Ele se chamava Charles W. Darwin, e isso provavelmente teve impacto efetivo sobre seus interesses científicos. Por fim, a bela foto com a casa de Darwin que aparece na matéria (p. 162) traz uma informação errada na legenda, ao dizer que ele realizou ali experimentos ANTES de zarpar no Beagle. Bastaria dizer que ele chegou do Beagle em 1836 e se mudou para Down House em 1842.
Att,
Nelio Bizzo
USP - SP
Pois bem, eu estava até elogiando a matéria...
Na edição seguinte, 2135, de 21 de outubro, à página 54, no final da seção de cartas dos leitores, onde se diz o nome de cada sujeito que disse algo que a redação achou que valia a pena comentar, a Veja deu o seguinte:
"Correção: na reportagem "A atualidade de Charles Darwin" (14 de outubro), a casa da foto foi o lugar onde Darwin fez suas pesquisas depois de voltar da viagem do Beagle."
E ponto final, PT saudações!
Bem, em primeiro lugar, o leitor acha que foi o próprio controle de qualidade de Veja que produziu a nota. Não que eu faça questão de agradecimento, mas seria no mínimo mais honesto dizer algo como "nossos leitores nos alertaram...". Mas, o mais importante, é que a redação não permite ao leitor entender o que ocorreu. Parece que a foto saiu sem legenda, e não foi nada disso! Em jargão jornalístico, foi uma "barriga".
Por fim, a questão da morte dos filhos não tinha relação com o argumento. Todas as famílias passavam por isso, haja vista a alta mortalidade infantil da época. Não é que eu tome por erro seríssimo trocar 3 por 2, mas é que nem mesmo as três perdas poderiam justificar o argumento. De fato, Darwin falava que sua casa mais parecia um hospital, e nisso havia uma suspeita de alguma fraqueza inata.
Mas a primeira perda, foi de uma menina, provavelmente com uma malformação, que faleceu logo depois do nascimento. Pela curiosidade de Darwin sobre cirurgias corretivas de lábios leporinos (há vários artigos em sua biblioteca pessoal sobre o assunto), eu arriscaria que esse tenha sido o caso da pequena Mary Eleanor.
A segunda perda é a mais conhecida, e tema de um livro de Randal Keynes, "Annie's Box", que o editor americano insistiu que fosse publicado com outro título, que incluísse "Darwin", e ficou: "Darwin, his daughter and human evolution" (publicado pela Riverhead Books). Cuidado, pois é o mesmo livro! O próprio Randal me contou a história do editor americano. Anne Elizabeth morreu em 1851, depois de uma doença que pode ter sido tuberculose, mas não há certeza sobre a causa.
Por fim, Charles Waring Darwin faleceu em junho de 1858, logo depois de seu pai ter recebido a famosa carta de Wallace. Eu escrevi bastante sobre isso, estabelecendo uma relação entre essa perda, o destaque do "princípio da reversão" no ensaio de Wallace, e uma hipotética síndrome de Down no garoto. O artigo foi publicado no Journal of the History of Biology em 1992. Dez anos depois, no livro de Randal Keynes aparece a primeira (e única) foto do garoto, com comentários sobre um possível diagnóstico de ... sídrome de Down! Escrevi sobre isso no artigo da Revista Sociedade e Ambiente, no número especial sobre evolução, um belíssimo trabalho de edição de Augusto Videira, Charbel El Hani e Elgion Lotero (uma das mais belas procuções do período). É o n. 36, da revista, editada pela UFSM (www.ufsm.br/cienciaeambiente), e o artigo de que falo chama-se "Darwin e a Evolução Humana: Desfazendo alguns mitos".
Vejam que não era apenas uma picuinha. Bem, talvez, isso seja a visão de Veja sobre o sigilo se suas fontes...
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Típico da editora. Outros leitores, inclusive eu, já fizeram correções que, se não foram publicadas, ainda foram ignoradas.
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