Depois de um dia de programa cultural, vendo tartarugas
terrestres e marinhas, tubarões, nadar em meio a raias-chita, focas e até mesmo
avistar uma baleia jubarte, voltamos às conferências do terceiro dia.
Na primeira delas, Interrogating
Genome Activity, Lessons learned from ENCODE Project, por Rodric Guigo, do Centro de Regulación
Genomica – Fabra (Espanha) apresentou o polêmico projeto internacional que
pretende construir uma enciclopédia pública do genoma humano, para acesso
aberto. É difícil entender como é possível pedir algumas dezenas ou centenas de
milhões de dólares a uma agência governamental ou a uma empresa famacêutica para
conseguir dados que serão disponibilizados amplamente em uma wiki. Essa foi uma
das polêmicas relatadas na conferência, que versou sobre os métodos utilizados
para enfrentar a colossal tarefa de investigar a atividade bioquímica de uma
molécula com bilhões de nucleotídeos. Apenas a cooperação de muitos grupos de
pesquisa e centenas de pesquisadores torna isso possível. Em Jan-Mar 2013 os
artigos científicos publicados com dados de ENCODE por grupos que não
participam do consórcio superou o número de artigos publicados por membros dos
grupos do consórcio, pela primeira vez desde 2008, quando teve início. Isso
comprova o caráter de “utilidade pública” da enciclopédia e que, malgrado as
críticas, seus dados têm ganhado credibilidade.
Os estudos sobre a funcionalidade das sequências do genoma
humano mostram que 3% do genoma humano é composto de éxons e que fatores de
transcrição respondem por 8%, mas 80% do DNA humano tem indícios de atividade
bioquímica. Isso criou uma grande polêmica sobre o chamado “DNA lixo” (“junk
DNA”), que não teria nenhuma utilidade, que tem sido confundido com “garbage
DNA”, uma espécie de repositório sequências replicadas, como que backups de
arquivos importantes, que poderiam se tornar úteis a qualquer momento. Esse DNA
teria indício de atividade bioquímica. Outra descoberta importante foi a de que
o splicing do RNA ocorre preponderantemente durante a transcrição, o que muda
um pouco o quadro da produção do chamado “RNA-m maduro”, que atua no
citoplasma. Para mais detalhes deste estudo foi indicado o artigo: Tilgner et al, Genome Research, 2012. Google it!
Na segunda conferência do dia, Human Adaptation: the
molecular footprints, Rasmus Nielsen,
do Center of Theoretical Evolutionary Genomicas, da Universidade da Califórnia
em Berkeley apresentou dois estudos que demonstram convergência evolutiva em
nível genômico, relacionados com a eficiência respiratória de populações
humanas que vivem em grandes altitudes. Foram localizadas populações bem
adaptadas ao clima de altitude, apesar do stress respiratório, uma vez que seus
níveis de hemoglobina e de pressão de oxigênio no sangue eram normais, indicando
uma eficiência respiratória maior. Pessoas mal adaptadas, quando enfrentam esse
stress respondem de diferentes maneiras, geralmente produzindo mais glóbulos
vermelhos, ou seja aumentando a densidade do sangue. Isso pode ter consequências
negativas, em especial em situações de stress hídrico. Ao sentir sede uma
pessoa nessas condições pode danificar seu rim, por exemplo. Os estudos genômicos
demonstram que a seleção natural atuou de maneira positiva, aumentando a
diversidade genômica da população, atuando fortemente em regiões diferentes do
DNA nas duas populações pouco relacionadas (China e Etiópia), constituindo um
exemplo de evolução convergente. Comparadas a populações próximas da mesma
região, mas vivendo em baixa altitude, em condições de alta pressão de
oxigênio, foram encontradas muitas sequências de DNA novas, que não eram
encontradas tanto em populações nos mesmos países, como em populações não
relacionadas (no caso da população chinesa foram usadas bibliotecas de
sequências de DNA de dinamarqueses). Assim, para quem tinha dúvidas se a seleção natural ainda atua sobre a espécie humana...
A terceira conferência do dia foi
Alternative Histories for Life: Ressurecting and re-evolving ancient molecules, por Betül Kaçar, uma
bolsista de pós-doc do Instituto de Astrobiologia da NASA. Ela apresentou o
problema geral da Paleogenética, uma nova ciência que, baseada em estudos de
proteomas e genomas, faz extrapolações sobre a evolução de proteínas. Um dos
exemplos que ela abordou foi o Fator de Elongação (EF-TU) de procariotos.
Contrariamente aos eucariotos, a síntese proteica de nossos parentes distantes
que não possuem um envelope nuclear armazenando seu material genético é
realizada de maneira sumária, ou seja, no próprio DNA vemos aminoácidos se
ligando e formando “colares de contas”, polipeptídeos que depois serão dobrados,
tomando a forma final da proteína. Os procariotos termofílicos, procariotos que
vivem em altas temperaturas, possuem fator de elongação que não é funcional em
organismos mesofílicos, que vivem nas temperaturas em que nós humanos estamos
acostumados a viver, embora tenham estrutura muito semelhante. Trata-se de uma
proteína muito interessante para procurar reconstruir sua trajetória evolutiva.
Mais detalhes dessa perspectiva paleogenética computacional podem ser
encontrados no artigo dessa pesquisadora publicado na revista Artificial Life 14:11-18 (2012). Dê um
Google e pronto!
Outra conferência da manhã, agora
na sessão coordenada por Forest Rohwer (que foi conferencista em dia anterior,
vide abaixo) foi Micro and Macro
evolution of Unicellular Eukariotes: the tale of the Entamoeba lineages,
por Avelina Espinosa, do
Departamento de Biologia, da Roger Williams University, Bristol, Rodhe Island,
USA. A conferência foi renomeada, e apresentada como um trabalho conjunto com
Guilhermo Paz y Minho, começou resgatando a dúvida que Charles Darwin tinha
sobre a definição de espécie, constatando que provavelmente todas as definições
disponíveis até aquele momento (e no futuro!) eram precárias e que na verdade,
o que podemos fazer apenas é revelar linhagens de descendência, formando a
famosa “ÁRVORE DA VIDA”. Ela focalizou o caso dos Protistas, em especial
algumas espécies de amebas que possuem comportamento gregário. Utilizando
técnicas que permitem evidenciar troca de material genético, foi evidenciada
grande atividade de troca de material genético entre “espécies” diferentes.
Isso tem, inicialmente uma importância prática muito grande, pois pode explicar
a dificuldade de produzir fármacos contra protistas parasitas. Foi fornecida
uma indicação bibliográfica que pode ajudar aqueles que têm interesse nisso: G protein signaling in the parasite
Entamoeba histolitica. Experimental & Molecular Medicine 5 (2013). Mas,
há uma consequência teórica muito mais profunda: a ideia de “ÁRVORE DA VIDA”
não está de acordo com essa troca horizontal de material genético! Temos que
aposentar a árvore da vida!
Uma das perguntas da plateia foi:
se a árvore da vida está obsoleta, qual será o ícone a adotar? Depois de alguma
discussão o coordenador da sessão Forest Rohwer teve de encerrar a conferência
dizendo que ele tinha chegado a uma ideia, mas isso estará em seu livro que
estará a venda... “Mas vocês vão ter de comprar”, brincou ele, fazendo uma
referência velada às manifestações de apoio que as publicações de acesso aberto
tinham ganhado durante a manhã.
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